Impacto do aumento dos preços nas famílias pobres preocupa instituições de solidariedade

Mais de 30% das famílias não tem capacidade para assegurar uma despesa inesperada. O impacto da escalada dos preços será “mais grave nas famílias com filhos”, alerta especialista em pobreza infantil.

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Instituições de solidariedade preparam-se para um aumento do número de pessoas a quem terão que prestar auxílio Miguel Manso

O aumento do custo dos bens de primeira necessidade pode empurrar muitas famílias para lá do limiar da pobreza. A preocupação é manifestada por especialistas e responsáveis de instituições que apoiam pessoas carenciadas, face à escalada dos preços, resultado de factores como a seca, o aumento dos custos da energia e a guerra na Ucrânia.


Os produtores do sector alimentar antecipam um aumento de 20% a 30% de preço de alguns produtos essenciais nos próximos dias. A situação vai criar “maiores dificuldades para as pessoas que estão mais próximas do limiar da pobreza”, avalia Amélia Bastos, professora Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) da Universidade de Lisboa. Os dados mais recentes, divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) no final do ano, revelam que 18,4% da população nacional vive abaixo a linha de pobreza — que ficou fixado nos 554 euros de rendimento mensal em 2021.

O impacto da escalada dos preços será “mais grave nas famílias com filhos”, alerta Amélia Bastos. As maiores preocupações são com as famílias numerosas (29% dos agregados com dois adultos e três ou mais crianças estão abaixo do limiar da pobreza) e as famílias monoparentais, nas quais este indicador sobe para 30%.

Apesar de, na sexta-feira, o Ministério da Agricultura ter garantido que “não há, à data, qualquer motivo que faça antever a possibilidade de escassez de alimentos”, o Governo admitiu, no entanto, que relativamente aos preços dos produtos alimentares, “verifica-se uma tendência de aumento em toda a União Europeia”.

A evolução da situação está a ser seguida pelo Grupo de Acompanhamento e Avaliação das Condições de Abastecimento de Bens nos Sectores Agro-alimentar e do Retalho em Virtude das Dinâmicas de Mercado, onde estão representados os sectores produtivos, industriais e de distribuição. Este organismo volta a analisar a situação no dia 21 de Março e, durante a próxima semana, haverá reuniões preparatórias.

O aumento dos preços pode criar “novos pobres” em “muitas famílias que vivem naquele franja em que já não têm direito a apoios sociais”, concorda também a presidente do Banco Alimentar Contra a Fome, Isabel Jonet. De acordo com a instituição, 4% da população nacional recebe regularmente comida que vem de um dos 21 bancos alimentares.

Há “milhares de famílias” que vivem com os orçamentos “completamente esticados e não têm folga para acomodar qualquer alteração”, continua Jonet. Os dados do INE revelam que 31,1% das famílias não têm capacidade para assegurar o pagamento imediato de uma despesa inesperada. “Dez euros a mais podem ser um drama”, avisa a presidente do Banco Alimentar.

Segundo os mesmos dados oficiais, 2,4% da população não tinha em 2021 capacidade financeira para ter uma refeição de carne ou de peixe (ou equivalente vegetariano), (…) de dois em dois dias. Face ao aumento dos preços, as famílias “vão ter que cortar nos produtos alimentares”.

A Cáritas Portuguesa também se prepara para um aumento do número de pessoas a quem terá que prestar auxílio, revela a presidente, Rita Valadas, nomeadamente famílias que já recebem “apoio pontual, mas que terão necessidade de um apoio regular”.

A instituição vai prolongar, para além de Abril, o programa Inverter a Curva da Pobreza em Portugal, lançado há dois anos, em resposta à crise social motivada pela pandemia de covid-19. “Pensávamos que estávamos a sair da crise, mas estamos final perante uma situação ainda mais complexa”, desabafa.

A conjuntura pode também afectar as próprias instituições de solidariedade que não só vão ter que suportar o aumento de preços”, como temem uma redução dos donativos que recebem regularmente e do qual depende boa parte do seu trabalho, alerta Rita Valadas.

Se houver “menos excedentes” tanto nos produtores, como nos retalhistas, também haverá “menos alimentos” nos bancos alimentares, reconhece Isabel Jonet, embora “não preveja” que isso aconteça “no imediato.

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