Uma guerra pelos valores e pela democracia contra o autoritarismo
As deliberações cautelosas dos nossos amigos europeus levaram-nos ao ponto de a Ucrânia ter sido invadida. Mas podemos garantir que a ocupação não vai durar muito. Para tal, precisamos a Europa e todo o mundo falem a uma só voz e digam quem é, de facto, Putin.
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No dia 24 de Fevereiro, milhões de ucranianos na Europa acordaram com notícias em que mal conseguiam acreditar: a nossa terra está a ser atacada. Eu estava a fazer o meu habitual passeio de compras para o pequeno-almoço, as ruas de Berlim estavam tranquilas, o céu de um azul primaveril e as pessoas na sua rotina habitual – mas tudo o que realmente vi diante dos meus olhos foram explosões.
A Ucrânia já está em guerra há oito anos. Mas, durante algum tempo, os movimentos militares foram limitados: o conflito tornou-se rotina. Há oito anos, perdi o acesso à minha cidade natal, Lugansk, perto da fronteira com a Rússia. Tornou-se, em 2014, a capital de uma das repúblicas separatistas, controlada por rebeldes pró-russos.
A minha mãe mudou-se para Kiev. Pensámos que o pior já tinha ficado para trás e que podíamos reconstruir as nossas vidas. Estávamos erradas. Agora, ela está lá, a ouvir explosões e a ver o fumo a subir pelas janelas do aeroporto militar de Gostomel, através do qual ela costumava desfrutar de magníficos cenários com o sol a pôr-se. A minha mãe, uma ucraniana de Lugansk, falante de russo, é uma dessas pessoas que Putin crê precisar de protecção contra os nacionalistas ucranianos. Agora chora e diz: “É tão injusto. Os russos roubaram-me a terra uma vez e estão a roubá-la de novo.”
Mas Putin não vai ouvi-la, nem aos outros ucranianos (mais de um milhão) que fugiram do Donbass ocupado para continuarem as suas vidas na Ucrânia independente. Putin não quer saber da realidade. Não se preocupa com as pessoas. Vive num mundo imaginário onde só os continentes importam (“geopolítica”, assim lhe chamam as pessoas como ele) e onde tudo se resume à luta pelo poder. Como um miúdo a brincar às guerras, só que com pessoas a morrer de verdade.
O que é mais espantoso é a sua profunda ignorância sobre a Ucrânia. Afinal de contas, somos vizinhos. Os russos, muitos dos quais têm laços familiares com os ucranianos, deveriam conhecer-nos melhor. Mas 20 anos de ditadura tornaram, aparentemente, algumas pessoas surdas e cegas. Putin e o seu círculo íntimo parecem acreditar que a Ucrânia tem um governo nacionalista, que o seu povo anseia por se reunir com os seus irmãos russos – essas opiniões foram expressas primeiro por Putin, depois pelo presidente da Duma.
Não conseguem compreender que já há décadas que a Ucrânia tem vindo a realizar eleições livres e justas. Isto significa que o nosso governo representa, efectivamente, aquilo que a maioria da população acredita ser correcto. Não é como na Rússia, onde os súbditos de Putin lhe fabricam o apoio e suprimem qualquer divergência. Temos, de facto, uma democracia representativa. A ideia de que a Rússia pode instalar um regime fantoche na Ucrânia vem da mesma ilusão. Eles pensam que a população vai tolerar quem quer que coloquem no trono. Dificilmente. Os ucranianos resistirão, tal como temos vindo a fazer durante séculos.
Temos passado longos períodos sob ocupação ou domínio russo, mas não queremos que isso se repita. Queremos democracia, valorizamos a liberdade e não pertencemos a uma cultura em que um czar decide tudo em relação a todos. Pertencemos à família europeia pluralista. E agora, mais do que nunca, precisamos que esta família esteja do nosso lado.
As deliberações cautelosas dos nossos amigos europeus levaram-nos ao ponto de a Ucrânia ter sido invadida. Mas podemos garantir que a ocupação não vai durar muito. Para tal, precisamos a Europa e todo o mundo falem a uma só voz e digam quem é, de facto, Putin. Nos próximos debates sobre o papel da Rússia no Conselho de Segurança das Nações Unidas e no Conselho de Direitos Humanos, esperamos ver pessoas da Ásia, da África e da América Latina a condenar esta agressão. É do nosso interesse garantir que o direito internacional seja a pedra angular da ordem mundial e que nenhum país, por mais poderoso que seja, possa violá-la. Putin é um agressor e um criminoso que está a tentar ocupar um país vizinho pacífico. O seu lugar é na prisão.
No momento em que as tropas russas cruzaram a fronteira de outro país, a Rússia de Putin deveria ser riscada da lista de todas as instituições internacionais respeitáveis. Não há lugar para a Rússia de Putin no Conselho da Europa, pois este país não partilha qualquer respeito pelos direitos humanos. Não há lugar para a Rússia na Interpol, pois não é possível colaborar com os serviços de segurança russos e fingir há alguma semelhança entre o entendimento do Kremlin e dos outros países sobre o que é o Estado de direito. O estatuto da Rússia na ONU deve ser revisto, pois não é um Estado com apreço pela paz, como exige a Carta das Nações Unidas.
A comunidade global deve unir-se na imposição de duras sanções a Putin e estar pronta para mantê-las a longo prazo, ao mesmo tempo que ajuda a Ucrânia a manter o seu exército e a mitigar as consequências humanitárias para a população civil. Esta é uma guerra pelos valores, pela democracia contra o autoritarismo, e só em conjunto a podemos vencer.