Petróleo russo abre brecha na união do Ocidente

Plano norte-americano para boicotar importação de energia da Rússia recusado pelos aliados europeus. Terceira ronda de negociações abre caminho para corredores humanitários.

Foto
Photo by Chris McGrath/Getty Images

A unanimidade da resposta do Ocidente à invasão da Ucrânia sofreu esta segunda-feira o primeiro abalo, com o petróleo russo como protagonista. Um dia depois de os Estados Unidos terem colocado na mesa um boicote à importação de energia da Rússia, devidamente secundados pelo Reino Unido, os aliados europeus, pela voz do chanceler alemão, Olaf Scholz, puseram a hipótese de parte, pelo menos para já.

Foto
Antony Blinken Olivier Douliery/Pool via REUTERS

“Isto não pode ser feito do dia para a noite”, afirmou Scholz, reconhecendo que o fornecimento de energia para a Europa “não pode ser assegurado neste momento” sem o petróleo proveniente da Rússia. Durante o fim-de-semana, o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, afirmara que Washington estava em “negociações muito activas” com os países europeus para boicotar a importação de petróleo russo.

Foto
Boris Johnson, Justin Trudeau e Mark Rutte, esta segunda-feira, perto de Londres REUTERS/Henry Nicholls/Pool

Esta segunda-feira, o primeiro-ministro britânico foi também entusiástico quanto à possibilidade de fechar a torneira russa, afirmando, numa conferência de imprensa em Downing Street, que o boicote “está claramente em cima da mesa”. Ainda antes de Olaf Scholz refrear os ânimos anglo-americanos, Boris Johnson ouviu, ao seu lado, o líder do Governo dos Países Baixos, Mark Rutte, dizer que interromper o fluxo de petróleo e gás da Rússia teria de ser “um processo passo a passo”.

“Temos de assegurar a redução da nossa dependência do gás russo, do petróleo russo, reconhecendo que, neste momento, essa dependência ainda existe até certo ponto”, disse o primeiro-ministro neerlandês.

Perante as reticências europeias, os Estados Unidos poderão avançar sem o apoio europeu. A hipótese foi avançada pela Reuters, que cita duas fontes na Administração Biden. Oficialmente, o boicote à compra de petróleo russo está ainda a ser “estudado internamente”, afirmou a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, acrescentando que “ainda não foi tomada qualquer decisão”.

Os esforços norte-americanos para que a ideia possa ir para a frente levaram mesmo uma delegação dos EUA a Caracas no fim-de-semana, com o objectivo de discutir a potencial flexibilização das sanções ao petróleo venezuelano e assim abrir uma alternativa à Rússia.

Corredores humanitários

Com o alcance das sanções a dividir os aliados ocidentais, na frente da guerra foi dia de mais uma ronda de negociações, a terceira, entre russos e ucranianos, na qual foram feitos, aparentemente, acordos provisórios sobre o estabelecimento de corredores humanitários. Horas depois do encontro, que teve lugar na Bielorrússia, a Rússia anunciou que iria introduzir corredores humanitários nesta terça-feira a partir das cidades de Kiev, Kharkiv, Chernigov, Sumy e Mariupol, uma informação avançada pela agência russa RIA.

"Alcançámos alguns resultados positivos no que diz respeito à logística dos corredores humanitários”, disse Mykhailo Podoliak, assessor da presidência ucraniana, na sua conta na rede social Twitter, acrescentando: “Serão feitas mudanças e será dada uma ajuda mais eficaz às pessoas que sofrem com a agressão da Federação Russa”, acrescentou.

Um anúncio semelhante para o estabelecimento de corredores humanitários tinha sido feito de manhã pelo Ministério da Defesa da Rússia, com o objectivo de permitir a fuga em segurança de centenas de milhares de ucranianos que se encontram em cidades destruídas ou sitiadas pelas tropas russas. A proposta definia, no entanto, os territórios russo e bielorrusso como principais destinos dos refugiados, o que causou a indignação do Governo ucraniano.

Segundo avançava a agência noticiosa russa Interfax, o anúncio do Kremlin seria uma concessão aos pedidos do Presidente francês, Emmanuel Macron, depois de as evacuações do fim-de-semana – particularmente em Mariupol, onde a situação humanitária é dramática – terem resultado num rotundo fracasso, com russos e ucranianos a acusarem-se mutuamente de desrespeito por um cessar-fogo parcial, que não teve seguimento ao longo desta segunda-feira: foram reportados bombardeamentos em Kharkiv e na cidade de Makariv, nos arredores de Kiev.

Com os encontros entre figuras secundárias dos dois lados a renderem poucos frutos, o Presidente ucraniano exigiu mais uma vez a Vladimir Putin um encontro cara a cara. “O que Putin deve fazer é iniciar o diálogo em vez de viver numa bolha de informação sem oxigénio”, afirmou Volodimir Zelensky numa entrevista à estação norte-americana ABC, voltando a criticar a NATO pela recusa em estabelecer uma zona de exclusão aérea sobre a Ucrânia para proteger as vidas dos civis dos bombardeamentos contra hospitais e universidades.

“Tenho a certeza de que os bravos soldados americanos derrubariam os mísseis russos que são lançados contra os estudantes. Tenho a certeza de que não hesitariam em fazê-lo”, disse.

Sugerir correcção
Ler 83 comentários