“A Ucrânia não está só a defender-se a si. Está a defender a Europa e o mundo”

Olga Polotska, a directora-executiva da Fundação Nacional para a Investigação na Ucrânia, apela a que os outros países cortem as colaborações científicas com a Rússia.

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A destruição de um edifício da Universidade Nacional de Kharkiv (na Ucrânia) numa imagem cedida por Olga Polotska DR

“A Ucrânia não está apenas a defender-se a si. Está a defender a Europa e o mundo” – esta é a mensagem para todos de Olga Polotska, a directora-executiva da Fundação Nacional para a Investigação na Ucrânia, que apela a ajuda internacional a nível militar e humanitário para o seu país. A cientista está no centro de Kiev, onde tem passado a maior parte do tempo abrigada. “Estou predominantemente escondida num abrigo. Há dias em que consigo ir ajudar os voluntários a distribuir comida a quem precisar.”

Está tudo praticamente parado na Ucrânia devido à invasão do país ordenada por Vladimir Putin. “A situação é muito mais terrível do que se possa imaginar. É uma guerra total! Quase tudo está parado”, transmite-nos Olga Polotska por mensagem. Na altura em que o PÚBLICO falou com ela, a parte da cidade onde estava ainda não tinha sido afectada por bombardeamentos, mas a cientista não tem parado de receber – e partilhar – fotografias de amigos e colegas com a destruição nesta e noutras cidades ucranianas.

Olga Polotska não tem baixado os braços. A cientista tem usado as suas redes sociais e o site da Fundação Nacional para a Investigação na Ucrânia para apelar à comunidade científica internacional e às pessoas no geral para o que está a acontecer na Ucrânia e pedir apoio. Fundada em 2018, a Fundação Nacional para a Investigação na Ucrânia é uma agência que se tornou completamente operacional há dois anos. Faz parte de um incentivo do Governo ucraniano para que projectos científicos de todas as áreas possam ser financiados de forma competitiva.

Num artigo do site Science Business, indica-se que um dos objectivos desta agência era ajudar a melhorar um sistema científico com pouco financiamento e evitar a saída de cientistas ucranianos para outros países. “A ciência na Ucrânia tem sido subfinanciada durante anos”, assinalava no mesmo artigo Olga Polotska. “Algumas pessoas no mundo ocidental podem ter ouvido falar muito pouco sobre a Ucrânia. Quero dizer à Europa que somos parte do mundo civilizado e que nos sentimos livres para tomar as nossas próprias decisões, politica e estrategicamente. Agora, tudo é um perigo”, acrescentou ao Science Business. Desde 2015 que tinha sido acordado que os investigadores na Ucrânia poderiam recorrer a fundos de investigação europeus. O primeiro programa a que o poderiam fazer foi o Horizonte 2020 (o antecessor do actual Horizonte Europa). ​

Agora pode dizer-se que a situação é devastadora. Num dos últimos comunicados da agência, descrevia-se como tudo na ciência tinha praticamente parado. “Alguns [cientistas] estão a lutar na frente [da guerra], defendendo todas as partes da sua terra do ataque de Putin; outros estão escondidos dos bombardeamentos em abrigos; alguns foram forçados a deixar as suas casas e a tornar-se refugiados; e outros estão em territórios temporariamente ocupados. Há uma destruição deliberada da infra-estrutura civil, incluindo de objectos científicos e de investigação”, lê-se nessa nota.

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Olga Polotska, directora-executiva da Fundação Nacional para a Investigação na Ucrânia DR

Olga Polotska diz que toda esta situação será “trágica” e, obviamente, contra os planos da agência de sedimentar a ciência no país. Quando esta quarta-feira à tarde falámos com a cientista, ela referia-nos que (por exemplo) edifícios da Universidade Nacional de Kharkiv (uma das maiores da Ucrânia) tinham sido parcialmente destruídos. “No geral, todas as actividades educativas e toda a actividade de investigação parou devido à guerra”, salienta.

Agora não se cansa de pedir ajuda militar e humanitária à comunidade internacional. “Estamos a pedir à Europa que pare a guerra através da defesa aérea e através da exclusão [da Rússia] do sistema de transferências monetárias internacionais SWIFT. Todos os dias a mais custam centenas, e se não forem milhares, de vidas, incluindo de cidadãos.” Também no comunicado se apela a “sanções devastadoras” à Rússia ou pede-se mais armamento moderno para a Ucrânia. “Estamos conscientes de que estas rupturas imediatas nos afectarão a todos, mas pedimos que as continuem a exigir porque são a única forma de desmobilizar esta ditadura brutal e ajudar-nos a ser livres.”

Parar as colaborações científicas

Olga Polotska considera ainda que se devem cortar as colaborações científicas com a Rússia, “que está ao serviço do seu regime totalitário”. “A ciência serve as necessidades da sociedade. Se a sociedade escolheu um caminho criminoso, todos são responsáveis”, considera. Algumas das acções nesse sentido foram tomadas na Alemanha: aqui, um grupo dos maiores financiadores da investigação científica do país, incluindo a Fundação Alemã de Investigação, congelou a colaboração científica com a Rússia. Também esta semana o ministro da Ciência da Dinamarca pediu às suas instituições para cortarem colaborações científicas com a Rússia e a Bielorrússia. Já esta quinta-feira também a própria Comissão Europeia decidiu suspender acordos de subvenção com organizações de investigação da Rússia.

A cientista faz ainda questão de deixar uma mensagem para todos: “A guerra não começou a 24 de Fevereiro. Ela, no fundo, começou em 2014 [com a invasão da Crimeia]. Tínhamos vindo a alertar o mundo que algo ainda mais terrível poderia acontecer. Ninguém nos ouviu.” Também nesse contexto as instituições científicas na Crimeia – anteriormente geridas pela Academia Nacional de Ciências da Ucrânia – foram transferidas para o controlo russo. “Foi um processo doloroso e muitos investigadores tiveram de deixar as suas vidas seguras. Muitos deles até estavam agora a trabalhar, com sucesso, em muitas cidades ucranianas que não estavam ocupadas pela Federação Russa.”

Voltando ao que está a acontecer agora, Olga Polotska reforça: “Estamos a avisar o mundo de que [a Rússia] não vai parar até arrasar completamente com a Ucrânia. Precisamos que o mundo nos ajude imediatamente através do sistema de defesa aéreo ou do SWIFT. A Ucrânia não está apenas a defender-se a si. Está a defender a Europa e o mundo.”

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