A Europa e a guerra perpétua
A guerra na Europa não começou nem terminará com o presente conflito. Também a leste, na Bósnia-Herzegovina, as nuvens começam a adensar-se com a possibilidade de um conflito relativo à secessão da República Srpska.
Há cerca de trinta anos atrás dava-se a queda da União Soviética e Francis Fukuyama publicava a sua magnum opus O Fim da História e o Último Homem, anunciando o triunfo definitivo da democracia liberal sobre todas as outras ideologias e o estabelecimento de uma espécie de paz perpétua kantiana gerida pelo Ocidente. Entretanto, a realidade tratou de obliterar imediatamente essa teoria, a partir de 1992, quando os vários nacionalismos iliberais balcânicos deram início ao conflito mais mortal na Europa desde a Segunda Guerra Mundial.
Entre a década de 90 do século XX e a atualidade, as populações ocidentais (nomeadamente as europeias) tem vindo a receber sinais de que o Ocidente perdeu a sua hegemonia na geopolítica e geoeconomia mundial; e, no passado dia 24 de fevereiro, os europeus receberam um sinal visceral dessa realidade. Se eventos como a mudança da estrutura acionista de empresas europeias para capital originário noutras geografias não alarmam o comum cidadão europeu, a impotência face ao sofrimento humano provocado pela invasão russa não deixa ninguém indiferente.
As ucranianas e ucranianos que ou fogem do horror ou avançam armados para enfrentar esse horror poderiam ser portuguesas e portugueses noutro contexto. O que se passa na Ucrânia é mais um sério aviso de que a natureza humana não mudou nem mudará, independentemente do indiscutível avanço tecnológico ou do discutível progresso ideológico.
Até há pouco tempo a Rússia era retratada como uma potência regional, mas o presente conflito têm desmistificado essa ideia. A Rússia é de facto uma superpotência mundial que tem mostrado capacidade de projetar poder não só na Europa, mas também em África e no Médio Oriente, considerando a ausência cada vez mais evidente de americanos e europeus.
A nova ordem mundial multipolar, onde, além dos EUA e da UE, atuam a Rússia, a China, a Índia e outros países, não é uma ordem liberal e os seus equilíbrios exigem capacidade de projeção de poder não só económico e político, mas também militar. Neste sentido, os estados europeus precisam de repensar os seus orçamentos para a defesa, não necessariamente para fazer a guerra, mas para evitá-la; a dissuasão é elementar para a manutenção da segurança europeia e para assegurar o equilíbrio de poder entre a UE e a Rússia no Velho Continente.
A guerra na Europa não começou nem terminará com o presente conflito. Também a leste, na Bósnia-Herzegovina, as nuvens começam a adensar-se com a possibilidade de um conflito relativo à secessão da República Srpska – uma das duas entidades políticas constitutivas da Bósnia-Herzegovina, habitada maioritariamente por sérvios ortodoxos, que mantêm relações amistosas com a Rússia.
A manutenção da soberania dos estados europeus depende não só da capacidade da UE na aplicação de sanções financeiras, e do orçamento de defesa norte-americano, mas também da aposta europeia numa política de defesa que se estenda desde o Ártico até ao Mediterrâneo, passando pelo Mar Negro. O presente relembrou os europeus de que o risco de guerra é perpétuo e que, como dizia Thomas Hobbes, o Homem é (e continuará a ser) o lobo do Homem.