A FCT não quer (nem deve) gerir carreiras científicas
Portugal já tem milhares de doutorados com largos anos de experiência e que, tal como outro trabalhador de qualquer setor de atividade, devem ter os mesmos direitos consagrados na lei portuguesa, nomeadamente, não devem estar sujeitos a sucessivos contratos temporários, quando desempenham as mesmas funções na mesma instituição.
Está aberto, até ao dia 3 de março, a 5ª edição do Concurso Estímulo ao Emprego Científico Individual. Esta é, atualmente, a mais importante (se não quase exclusiva) forma dos investigadores científicos doutorados, em Portugal, conseguirem um contrato (a termo) de trabalho. Todos os anos, milhares de cientistas portugueses (e também vários estrangeiros) tentam a sua sorte para conseguir um contrato que lhes permita continuarem a trabalhar em Portugal como cientistas. Se este parágrafo soa um bocado esquisito, é porque, de facto, esta é uma situação esquisita, que merece a melhor atenção do próximo executivo, para, de uma vez por todas, resolver a precariedade dos investigadores doutorados em Portugal.
Não sendo de todo novidade, a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) alterou, novamente, alguns dos critérios de avaliação e de elegibilidade deste concurso. Não sou, de todo, adverso a estas alterações, pois muitas delas fazem sentido e tentam resolver problemas identificados pela comunidade. No entanto, outras alterações são mais enigmáticas e infelizmente a FCT não tenta explicar à comunidade científica o porquê de as tentar implementar.
Uma das pequenas (quase cosméticas) alterações que se pode ler na página 7 do guião de avaliação é que a FCT passa agora a informar os avaliadores internacionais que o objetivo deste concurso é financiar o trabalho dos investigadores por um período exato de seis anos. Ora, no mesmo guião do concurso anterior, a FCT afirmava que o objetivo era financiar carreiras científicas. Esta pode parecer uma pequena diferença, mas tem implicações legais muito relevantes que não irei discutir neste artigo, pois o que me parece relevante é que, pela primeira vez, a FCT deixa escrito num documento público aquilo que em muitas reuniões, ao longo dos últimos anos, foi dizendo à Associação Nacional dos Investigadores em Ciência e Tecnologia: a FCT não pode (nem quer) gerir as carreiras científicas dos investigadores doutorados.
Para cientistas que não seguem política de ciência há muito tempo, isto pode ser um choque, mas obviamente que tem de ser assim, porque é evidente que quem tem de gerir as carreiras científicas são as próprias instituições, na sua autonomia e estratégias institucionais. A questão de fundo é que, embora a FCT não queira (nem deva) estar a gerir carreiras científicas, parece que quer, sim, gerir o dinheiro público que está a ser usado para esse fim. Ora, isto sim, parece-me totalmente ilógico, e merece uma séria reflexão do próximo governo. Não querendo (nem devendo ter) essa responsabilidade, não pode, por outro lado, pretender gerir esse dinheiro.
A FCT, com este concurso, pode e deve continuar a incentivar a excelência na investigação, dando novas oportunidades para recém-doutorados. Mas não nos podemos esquecer de que Portugal já tem milhares de doutorados com largos anos de experiência e que, tal como outro trabalhador de qualquer setor de atividade, devem ter os mesmos direitos consagrados na lei portuguesa, nomeadamente, não devem estar sujeitos a sucessivos contratos temporários, quando desempenham as mesmas funções na mesma instituição.
O autor escreve segundo o acordo ortográfico