Tropas russas entram na segunda maior cidade da Ucrânia
Kiev resiste mais uma noite, mas os combates intensificaram-se nas ruas de Kharkiv. Exército russo atinge instalações petrolíferas e de gás natural. Zelensky rejeita negociar “ultimatos” com o Kremlin.
Ao quarto dia de guerra na Ucrânia, os soldados russos conseguiram penetrar em Kharkiv, a segunda maior cidade do país, localizada na região nordeste. Segundo as autoridades locais, as tropas russas e ucranianas estão a lutar nas ruas pelo controlo da cidade, onde vivem cerca de 1.4 milhões de habitantes.
“Houve um avanço com equipamento [militar] ligeiro, incluindo na zona central da cidade”, escreveu neste domingo no Facebook Oleg Sinegubov, presidente da administração regional de Kharkiv.
“As Forças Armadas ucranianas estão a eliminar o inimigo”, afiançou, no entanto, ao mesmo tempo que apelava à população civil para não sair à rua. Um edifício residencial terá sido atingido por um míssil russo, matando pelo menos uma pessoa.
“Os veículos inimigos estão a circular pela cidade”, confirmou Serviço de Estado da Ucrânia para Comunicações Especiais e Protecção da Informação, através do chat privado Telegram.
Noutros pontos do país, os confrontos intensificaram-se nas últimas horas, com as forças russas a garantirem que bloquearam os acessos às cidades de Kherson e de Berdiansk, a sul – um dia depois de terem anunciado a conquista de Melitopol – e a negarem os relatos das autoridades ucranianas sobre as baixas do lado russo.
Segundo a vice-ministra da Defesa da Ucrânia, Hanna Malyar, já morreram 4300 soldados russos; foram ainda destruídos ou inutilizados 706 veículos blindados, 146 tanques, 27 aviões e 26 helicópteros. Números que, tal como muitos outros que têm sido divulgados durante esta guerra pelos Governos dos dois países em conflito – que travam a sua própria guerra de informação – são difíceis de confirmar.
Em Kiev, porém, a resistência ucraniana conseguiu aguentar mais uma noite de bombardeamentos e de disparos de mísseis russos. Os residentes da cidade que ainda se mantêm por lá têm passado as noites em abrigos, estações de metro e outras instalações subterrâneas. Muitos juntaram-se às forças de defesa, que estão a ensinar as pessoas a fabricarem cocktails-molotov.
Segundo as contas do Ministério da Saúde da Ucrânia, actualizadas neste domingo, a guerra tirou a vida a mais de 210 ucranianos, incluindo três crianças, e deixou cerca de 1100 feridos. A ONU só conseguiu confirmar 64 mortes, mas assume que o número verdadeiro é “consideravelmente superior”.
Centenas de milhares de ucranianos continuam a fugir do país – a ONU fala em 368 mil deslocados – só na Polónia já entraram mais de 156 mil pessoas nos últimos dias. Os fugitivos são, sobretudo, mulheres e crianças, uma vez que todos os homens com idades entre os 18 e os 60 anos foram chamados pelo Governo a permanecer na Ucrânia e a lutar ao lado dos soldados.
No seu habitual tom de desafio, Volodimir Zelensky, Presidente ucraniano, garantiu neste domingo que os ucranianos “vão lutar o tempo que for preciso” até “libertarem” o país do invasor russo.
Talvez por ter perspectivado uma conquista, ou a rendição, mais célere da capital, o Exército da Federação Russa parece ter mudado ligeiramente de estratégia nas últimas horas e tem estado a atacar infra-estruturas e instalações energéticas da Ucrânia.
Uma nuvem de fumo negro e chamas encheu o ar na zona sul de Kiev, na sequência de um bombardeamento russo a um gasoduto em Vasilkiv, a cerca de 30 quilómetros da capital. Há relatos de mais dois ataques semelhantes: a outro gasoduto, na região de Kharkiv; e a um terminal petrolífero, na província separatista de Luhansk.
“Negociações verdadeiras”
Mesmo com a União Europeia a preparar-se para excluir um conjunto seleccionado de bancos russos do sistema de transferências monetárias internacionais SWIFT, para congelar os activos do Banco Central da Rússia e para proibir os oligarcas russos de utilizarem os seus activos financeiros nos seus mercados, e com os EUA e vários países ocidentais a enviarem cada vez mais dinheiro e armamento para a Ucrânia, o Exército russo não parece fazer tenções de abrandar a ofensiva.
E ao mesmo tempo que os seus tanques e aviões russos avançam pelo país vizinho – numa guerra justificada por Vladimir Putin com a necessidade de garantir a “segurança” da Rússia e da população russófila e de se “desnazificar” e “desmilitarizar” a Ucrânia –, o Kremlin diz-se totalmente disponível para encetar negociações com o Governo ucraniano tendo em vista um acordo de cessar-fogo.
Moscovo pretende, no entanto, que a Ucrânia se comprometa com a total desmilitarização, que renuncie às pretensões de aderir à NATO e que se assuma como um Estado “neutral”. A Rússia enviou, inclusivamente, uma delegação diplomática para a cidade bielorrussa de Gomel, para esse efeito.
Mas Zelensky rejeitou a proposta, dizendo que não quer reunir-se num país que está a ajudar militarmente a Rússia na invasão da Ucrânia.
“Qualquer outra cidade num país em cujo território os mísseis não voem por cima de nós serve”, atirou, num vídeo publicado neste domingo, no qual propõe cidades como Varsóvia (Polónia), Bratislava (Eslováquia), Budapeste (Hungria), Bacu (Azerbaijão) ou Istambul (Turquia) para as negociações.
Para além disso, o Presidente ucraniano diz que não aceita “ultimatos”, apenas “negociações verdadeiras”.
“Eles [os russos] chegaram a Gomel sabendo que era inútil. E agora dizem: ‘estamos à espera’. A posição de Zelensky mantém-se inalterada: só aceitamos negociações verdadeiras, ultimatos não”, explicou um porta-voz do chefe de Estado ucraniano, rotulando a narrativa do Kremlin como “propaganda”.