Pavilhão da Ucrânia na Bienal de Veneza em suspenso
Invasão russa pode comprometer a conclusão do projecto que o artista ucraniano Pavlo Makov deveria levar àquele que é um dos principais eventos do circuito artístico internacional.
A participação da Ucrânia na próxima edição da Bienal de Veneza, que abre a 23 de Abril próximo, pode estar comprometida, dependendo agora da evolução da invasão russa desencadeada na madrugada de quinta-feira. Horas depois do início dos ataques, os curadores do pavilhão ucraniano e o artista escolhido para representar o país em Veneza, Pavlo Makov, declararam no Twitter não estar “em condições” de continuar a trabalhar no projecto devido à situação de perigo em que a Ucrânia foi entretanto colocada.
Sublinhando que a declaração não representa “a posição e as intenções do Ministério da Cultura e da Informação da Ucrânia”, Pavlo Makov e os curadores independentes Maria Lanko, Lizaveta German e Borys Filonenko explicam que a equipa artística envolvida no projecto está dispersa por vários pontos do país (Kharkiv, Kiev e Lviv) e do estrangeiro, e que embora não corram “perigo imediato” a situação “é crítica e muda a cada minuto”.
“Todos os voos internacionais de e para a Ucrânia foram cancelados. Viajar dentro do país é arriscado. Estamos determinados a representar a Ucrânia na 59.ª Bienal de Arte de Veneza, mas nem tudo depende de nós. Se a situação se alterar e voltar a ser seguro prosseguir o trabalho e viajar, estaremos em Veneza”, prometem, insistindo que de momento é impossível “confirmar” que o projecto em que trabalham há cinco meses “se concluirá”.
Fountain of Exhaustion, no título inglês, é uma nova versão desta instalação concebida por Pavlo Makov em 1995, ano em que um acidente numa estação de tratamento de águas de Kharkiv, a segunda cidade da Ucrânia, causou inundações e, devido à incapacidade de gerir a contaminação, um corte de quatro semanas no abastecimento municipal. “Com as suas infra-estruturas em ruínas, as suas constantes disrupções no abastecimento de água e os seus espaços públicos maltratados”, descreve o comunicado em que os curadores apresentam o projecto, Kharkiv era então uma “típica cidade pós-soviética”.
Na instalação original, Pavlo Makov sublinhava visualmente, através de um complexo e perdulário sistema de funis, o paradoxo desta cidade teoricamente privilegiada (situada na confluência de três rios, Kharkiv está também rodeada de lagos), mas que se confrontava com dificuldades recorrentes no abastecimento de água potável. Mais de duas décadas volvidas, o artista pretendia agora actualizar e expandir a sua reflexão, fixando-se já não nas vicissitudes pós-independência daquela que foi entre 1919 e 1934 a primeira capital da república socialista soviética da Ucrânia, mas no actual cenário de aquecimento global e de esgotamento dos recursos naturais. E pretendia fazê-lo especificamente em Veneza, “cidade particularmente familiarizada com inundações e sobreocupação humana”, como sublinhava o mesmo comunicado.
Ao contrário da sua primeira encarnação, Fountain of Exhaustion. Acqua Alta, o novo título do projecto, deverá agora reproduzir verdadeiramente uma fonte, com água a jorrar do topo – e a acabar desperdiçada. “As alterações no nível da água e as nossas tentativas para dominar o fluxo desequilibrado do mundo líquido são metáforas comuns para descrever a modernidade, e Veneza corporiza-as de um modo muito real. A alternância entre inundação e seca que conduziu a uma discussão muito viva acerca do futuro da cidade são componentes importantes do projecto do pavilhão ucraniano”, argumentam Maria Lanko e Lizaveta German, co-fundadoras da galeria The Naked Room, e o editor e crítico Borys Filonenko, responsáveis pela proposta vencedora do concurso para a escolha da representação ucraniana na Bienal de Veneza de 2022.
Nascido em 1958 em São Petersburgo, na Rússia, e radicado em Kharkiv, Pavlo Makov é considerado um dos mais importantes artistas ucranianos da actualidade. A sua obra, dispersa por múltiplos suportes, está representada em colecções de instituições de referência como o Museu Victoria & Albert, de Londres, a National Gallery, de Washington – ou o Museu Pushkin, de Moscovo.
A frustração de nunca ter conseguido instalar Fountain of Exhaustion na cidade para a qual projectou a instalação (“Foi aí que percebi que a sociedade não estava preparada para aceitar esta obra, para se auto-diagnosticar”, diz, citado no mesmo press release) estava agora prestes a ser compensada pela sua apresentação em Veneza, mas a invasão russa ameaça inviabilizar o plano, pondo em causa a própria ideia de uma nação ucraniana independente e detentora de direitos como a singela mas simbólica prerrogativa de um pavilhão próprio naquela bienal internacional.
“A Federação Russa atacou a nação pacífica e independente da Ucrânia. As nossas vidas, as vidas daqueles que amamos e tudo aquilo que defendemos – paz, liberdade, democracia, cultura – estão em perigo”, lamentam artista e curadores numa conta oficial de Twitter que, por ora, passou a ter outras prioridades. “Esta guerra é um choque de civilizações – um mundo livre e civilizado vê-se atacado por um mundo bárbaro e agressivo. Apelamos à comunidade artística internacional que use todo o seu impacto para parar a invasão russa da Ucrânia. As armas podem ferir os nossos corpos, mas a cultura muda mentalidades.”