ONG revela imagens de aviário italiano onde as galinhas estão “amontoadas e com feridas abertas”
A organização não-governamental espanhola Equalia publicou um vídeo a mostrar atrocidades alegadamente cometidas contra animais num aviário em Itália, que pertencia à quarta maior produtora avícola na Europa.
Num vídeo tornado público na última semana, a organização não-governamental (ONG) espanhola Equalia expôs os “alegados abusos de direitos dos animais” que têm vindo a acontecer num aviário italiano associado à maior produtora avícola de Itália e quarta maior a nível europeu, o grupo Agricola Italiana Alimentare (AIA). A empresa garante que tomou medidas imediatas após a divulgação do vídeo, pelo que a fábrica em questão já não faz parte da sua rede de distribuição.
As imagens reveladas não permitem identificar o sítio ou os responsáveis com exactidão, mas a Equalia, uma ONG espanhola, recebeu declarações de fontes próximas que lhe permitiram atribuir as responsabilidades a uma quinta na cidade de Verona. No vídeo podem ver-se aviários sobrelotados que mal dão espaço às aves para se movimentarem e onde muitas das quais se encontram visivelmente em estado de sofrimento. Animais já em estado de putrefacção a serem comidos por outros, ou mesmo à beira da morte, com marcas de pisoteio e feridas abertas são algumas das situações inquietantes retratadas pela organização. A Equalia acusa a empresa de crimes de abuso animal e negligência por não cumprir os cuidados devidos que constam do European Chicken Commitment, um acordo assinado em 2020 por várias organizações não-governamentais em defesa dos direitos animais.
“Estas imagens não reflectem um caso isolado”, defende a Equalia numa resposta por escrito ao P3. Ao invés, mostram “a falta de cumprimento por parte da AIA dos padrões mínimos em prol do bem-estar animal, que poderiam impedir que estes alegados abusos acontecessem”. A organização recebeu as filmagens há uns meses e indica que terão sido resultado da acção de uma pessoa infiltrada na fábrica, bem como de gravações a partir de câmaras ocultas.
A AIA faz parte do Grupo Veronesi e é o quarto maior produtor avícola na Europa; vende para o mercado italiano e exporta uma vasta gama de produtos (ovos, salsichas, fiambres, panados, etc.) para vários países, Portugal inclusive, estando à venda nos supermercados Continente (do grupo Sonae, dono do PÚBLICO) e Minipreço, por exemplo. Domina o mercado de carne italiano, representando cerca de metade das vendas, segundo os dados publicados em Janeiro último pelo Statista Research Department, e regista um lucro anual de quatro mil milhões de dólares (cerca de 3,5 mil milhões de euros).
Contactada pelo P3, a empresa enviou um comunicado onde denuncia “firmemente os métodos ameaçadores através dos quais as imagens foram recolhidas e divulgadas”. Defende ainda que nem as condições nem a conduta expostas no vídeo reflectem a forma de trabalho dos mais de oito mil funcionários, assente em normas “claras e rigorosas” — e isto para todos os colaboradores, assegura.
Apesar de a AIA garantir que o bem-estar animal é um “valor essencial” para a empresa, o vídeo agora publicado parece mostrar uma outra face da moeda. Esta não é a primeira vez que se denunciam abusos por parte da AIA. Ainda em 2020, a organização italiana de defesa dos direitos animais Essere Animali revelou imagens de uma outra fábrica, em Piemonte. Aqui foram os funcionários o alvo da acusação: as imagens retrataram a forma violenta como descarregavam os pintainhos, atirando-os para o chão a ponto de os ferir ou matar, ou como descartavam os animais doentes ainda vivos para uma pilha de cadáveres.
O vídeo publicado agora pela Equalia levou a que a organização não-governamental Animal Law Italy apresentasse queixa ao Ministério Público de Verona, a fim de que “os responsáveis sejam processados”, pode ler-se no comunicado da mesma. “Chegou o momento de os animais de produção alimentar receberem protecção jurídica plena”, aponta a porta-voz da Animal Law Italy, a advogada Maria Cristina Giussani.
Há também várias cadeias de supermercados na Europa a reagir à divulgação das imagens, ponderando agora se os produtos de frango da AIA deverão ser excluídos das suas prateleiras, diz a Equalia. No que toca ao supermercado Carrefour em particular, a organização espanhola acusa-o de ainda não se ter pronunciado sobre as más práticas associadas à criação de galinhas. Apesar de já se ter comprometido em prol da defesa dos animais noutros países, ainda não o fez em Espanha, pelo que a ONG está em “conversações” com o Carrefour para “aumentar os padrões de bem-estar dos seus produtos de frango”.
Saúde pública em risco
A forma como as aves de capoeira são amontoadas nestas condições tem por base o princípio da hibridização genética, segundo o qual se procura conseguir “um crescimento máximo dos animais no mais curto espaço de tempo possível”, resume a Equalia.
Além de ir contra as medidas impostas no European Chicken Commitment, que lista uma série de critérios em prol do bem-estar dos 7,2 mil milhões de galinhas abatidas na Europa por ano — acabar com as espécies de crescimento rápido e reduzir as concentrações de galinhas por metro quadrado —, este tipo de abordagem é também um risco para a saúde pública. Isto porque contribui para o aparecimento e propagação de doenças zoonóticas (que passam dos animais para as pessoas), do qual o SARS-CoV-2 é um exemplo.
Em consequência disto, os antibióticos são amplamente usados nas galinhas como forma de prevenção e em valores muito superiores ao uso recomendado, aumentando assim a resistência das bactérias. Em Itália, mais de metade dos antibióticos são vendidos especialmente para este propósito, revela a Essere Animali.
A AIA assegura estar aberta ao diálogo, mas exclusivamente com aqueles que privilegiem uma evolução da indústria pecuária de uma forma “colaborativa e justa”, assente na sustentabilidade económica, social e ambiental. “Isto deve ser sempre considerado como um todo, em benefício tanto dos clientes como dos consumidores”, explicam.
Embora a empresa tenha declarado que já excluiu do grupo a fábrica denunciada no vídeo, a Equalia vê esta decisão como insuficiente, dado que não evita abusos futuros. A única solução passa por “apoiar o European Chicken Commitment” e assegurar o seu cumprimento até 2026, juntando-se às cerca de 300 empresas do sector alimentar na Europa que já se comprometeram. “Quantas mais empresas apoiarem [este acordo], mais rapidamente a situação melhorará.”