Um “cartão vermelho” para as desigualdades na saúde
Uns impressionantes 13% dos trabalhadores essenciais, que estão na linha de frente da resposta à covid-19, na União Europeia, são migrantes.
Sadio Mané, do Liverpool, foi apenas um dos mais de 200 jogadores que competiram pelos seus países durante a Taça das Nações Africanas (CAN), que terminou no início deste mês. Enquanto os fãs comemoravam no país anfitrião, os Camarões, muitos clubes da primeira divisão da Europa enfrentavam o dilema de perder atletas quando os seus craques partiram para o torneio noutro continente.
Mané terminou a longa final contra o Egito, contra Mohammed Salah, seu companheiro de equipa no Liverpool, com a execução perfeita de um penálti – dando ao Senegal a sua primeira e tão esperada vitória na Taça das Nações Africanas.
O troféu poderia ter ido parar a outro lugar, já que Mané foi forçado a sair de campo, durante a vitória do Senegal por 2-0 sobre Cabo Verde, depois de colidir com o seu guarda-redes Vozinha. Mas, à medida que os jogadores de futebol se lesionam – não importa a sua origem –, os médicos correm para o campo, fazendo o possível para que recuperem.
E assim deveria ser, para todos.
A saúde e os melhores cuidados possíveis não devem ser uma questão de origem, nacionalidade ou estatuto de superestrela. Cada um de nós deve ter direito a cuidados acessíveis e de qualidade, incluindo refugiados e migrantes.
Tal como os clubes da primeira divisão dependem dos seus jogadores migrantes, todos nós dependemos muito dos trabalhadores da linha de frente que mantêm os nossos serviços essenciais a funcionar e sustentam os nossos sistemas de saúde. Uns impressionantes 13% dos trabalhadores essenciais, que estão na linha de frente da resposta à covid-19, na União Europeia, são migrantes. Em muitos países, os migrantes representam uma parcela substancial da força de trabalho da saúde: por exemplo, um terço dos médicos no Reino Unido e 20% na Alemanha são estrangeiros, assim como 10% dos enfermeiros em Itália. Esta realidade mostra que não só as nossas economias e equipas de futebol, mas também os cuidados de saúde dependem dos migrantes. Sem eles, muitos dos nossos sistemas de saúde estariam à beira do colapso.
À medida que pretendemos recuperar da pandemia da covid-19, precisamos nivelar o campo de atuação na saúde. A pandemia mostrou-nos de forma clara e cruel que as desigualdades pré-existentes deixam algumas pessoas mais expostas do que outras. As doenças e os vírus viajam e afetam-nos independentemente de fronteiras ou de passaportes. Devemos remover barreiras financeiras, administrativas, linguísticas e outras que muitos refugiados e migrantes enfrentam diariamente ao tentar aceder a cuidados de saúde e a outros serviços essenciais. Todos nós sabemos o quão importante é a prestação de cuidados e o apoio quando adoecemos.
Para aproveitar todo o potencial de saúde pública da migração e melhorar a saúde para todos, precisamos de espírito de equipa, sentido de jogo limpo, compromisso político e parcerias entre países e regiões.
Para que a saúde de qualidade seja uma realidade para os refugiados e para os migrantes, como para todos os outros, é necessária uma conversa honesta e transparente com todos os representantes sentados à mesma mesa. Por isso, estamos a convidar os principais decisores das regiões da OMS da Europa, África e Mediterrâneo Oriental, bem como representantes de refugiados, de migrantes e da sociedade civil para uma cimeira de alto nível, que terá lugar em Istambul, no próximo mês, para mobilizar compromisso político e encontrar um caminho comum a seguir.
Saúde de qualidade e bem-estar ao abrigo da cobertura universal de saúde devem ser uma realidade para todos nós, dentro e fora do campo, não importa quem ou de onde somos.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico