Activista ambiental que interrompeu Costa absolvido do crime de desobediência qualificada

Em 2019, Francisco Pedro interrompeu o discurso de António Costa num protesto contra o novo aeroporto em Lisboa. Estava a ser julgado pelo crime de desobediência qualificada. Esta quinta-feira foi absolvido.

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Vera Moutinho

Na leitura da sentença esta manhã no Juízo Local Criminal de Lisboa, a juíza Sofia Claudino concluiu que não se provou que Francisco Pedro tenha sido o responsável e organizador da acção de protesto de 22 de Abril de 2019, em que interrompeu o discurso de António Costa durante a sessão do 46.º aniversário do Partido Socialista no Centro de Congressos de Lisboa.

A juíza referiu que como “mero participante”, e “não se tendo provado que foi efectivamente o promotor da manifestação”, o activista não pode ser punido pelo crime de desobediência qualificada.

À saída da sessão, Francisco Pedro mostrou-se satisfeito com a sentença. “Mas o alívio a sério vai ser quando o Governo anunciar o cancelamento do projecto de expansão do aeroporto”, disse ao P3. “Saio com a convicção de que somos cada vez mais pessoas a lutar por estas questões.”

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Francisco Pedro presta declarações aos jornalistas depois da sentença que o absolveu do crime de desobediência qualificada. Vera Moutinho/PÚBLICO

Ao longo do julgamento, que começou a 13 de Janeiro deste ano, o Ministério Público tentou provar que Francisco Pedro, activista ambiental de 35 anos, teria sido o organizador da manifestação, que não foi comunicada à Câmara Municipal de Lisboa como a lei obriga. Francisco Pedro foi, por ser o alegado promotor da manifestação, o único acusado no processo, negando sempre ser o responsável. Durante o julgamento, a sua versão foi confirmada por outros dois activistas que também foram, na altura, identificados pela PSP.

Na leitura da sentença, a juíza reforçou a conclusão de que a interpretação por parte do agente Paulo Santos de que Francisco Pedro seria o promotor da acção não ficou provada e foi, porventura, exagerada, e que terá derivado da “maior notoriedade gerada pela actuação” de Francisco Pedro.

“Não existia prova válida suficiente que permitisse ao Ministério Público fazer um juízo de culpa do Francisco”, afirmou o advogado de defesa, Sérgio Figueiredo, ao P3. “O único elemento de prova é dizerem que ele disse que era o responsável. Não há outros elementos de prova que indicie que era o responsável.”

A 22 de Abril de 2019, o discurso do secretário-geral do PS, António Costa, no 46.º aniversário do seu partido, foi interrompido pela inesperada intervenção de um grupo de jovens activistas da campanha Aterra, que se manifestou contra a expansão do aeroporto de Lisboa ou a construção de um novo aeroporto no Montijo. Os activistas da Aterra – uma campanha pela redução do tráfego aéreo e por uma mobilidade justa, pertencente à rede global Stay Grounded aproximaram-se do palco e lançaram aviões de papel, mostrando também um cartaz onde se lia “Mais aviões só a brincar”.

Nesse dia, foi Francisco Pedro quem subiu ao palco e interrompeu o primeiro-ministro: “Entrámos de forma completamente pacífica e a mensagem era muito simples: precisamos de um plano B”, recordou Francisco ao P3. “Na altura dizia-se que não havia plano B em relação ao Montijo.” Em menos de meio minuto, os jovens que participavam no protesto foram retirados do palco e António Costa prosseguiu o seu discurso. Meses depois, Francisco era acusado do crime de desobediência qualificada, cuja pena poderia ir até dois anos de prisão ou 240 dias de multa.

Um dos participantes que à data também foi identificado pela PSP foi Acácio Vaz Pires, que em tribunal justificou a acção com a “emergência absoluta de agir em relação à crise ambiental e climática”. O protesto, disse na sessão de 20 de Janeiro, “foi algo que foi surgindo no grupo”, não existindo “uma pessoa que tenha dirigido a acção”, mas sim uma acção de “criação colectiva”.

Foi a Paulo Santos, chefe da PSP, actualmente coordenador de investigação criminal em Ponta Delgada, nos Açores, que Francisco Pedro foi “entregue” pelo corpo pessoal da PSP do primeiro-ministro, juntamente com outros dois manifestantes. Em tribunal, num depoimento por videochamada, Paulo Santos garantiu que, naquela noite, quando perguntou quem era o responsável pelo protesto, foi Francisco Pedro quem se identificou como tal.

“É a primeira vez em 24 anos que alguém se identifica como organizador de uma manifestação ilegal”, disse no seu depoimento em tribunal. Na altura, já fora do Centro de Congressos de Lisboa, cerca de 20 pessoas continuaram o protesto, exibindo tarjas, lançando palavras de ordem, tocando alguns tambores. Em tribunal, o chefe da PSP Paulo Santos explicou à juíza Sofia Claudino que concluiu que Francisco Pedro era o organizador da acção, quando, perante o ruído que, disse, impossibilitava a sua conversa com o activista, Francisco pediu aos manifestantes para fazerem menos barulho.

“Pedi para ele falar mais alto. Ele voltou-se para a manifestação e fez um sinal com as mãos. Já não me recordo se falou. Mas fez sinal para acabarem com ruído”, disse, destacando o comportamento exemplar e colaborante de Francisco Pedro durante todo o processo.

Na penúltima sessão do julgamento, a juíza Sofia Claudino recuperou o auto da polícia que descreve Francisco Pedro como “promotor” da acção. “É uma conotação jurídica, não é bem uma forma espontânea”, disse a juíza. “Isso fui eu que disse”, confirmou o agente. Em tribunal, o advogado de defesa, Sérgio Figueiredo, alertou para o facto de a declaração de Francisco ter sido obtida “antes de lhe serem lidos e atribuídos os direitos, nomeadamente o direito ao silêncio”. A juíza confrontou Paulo Santos com a possibilidade de a sua interpretação ter sido excessiva. “Poderia ser o responsável ou poderia ser só a pessoa corajosa, eloquente, que assumiu uma responsabilidade”, ressalvou a juíza Sofia Claudino na altura.

Em comunicado, a campanha Aterra reafirmou esta quinta-feira a sua convicção de que o processo contra Francisco Pedro teve como objectivo “intimidar quem age perante o ecocídio em curso”. No banco dos réus, defendem, deveriam sentar-se “o Governo e a concessionária dos Aeroportos de Portugal, a multinacional Vinci, que devem ser julgadas por ameaçarem o equilíbrio climático e os ecossistemas de todos nós em nome do lucro de alguns”.

Neste momento há quatro consórcios na corrida à análise do novo aeroporto de Lisboa. O Aeroporto do Montijo obteve declaração de impacto ambiental condicionada em Janeiro de 2020. Porém, no início de Março de 2021, a Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) indeferiu liminarmente o pedido da ANA – Aeroportos de Portugal de apreciação prévia de viabilidade para a construção daquela infra-estrutura, por não ter obtido um parecer favorável de todas as câmaras municipais dos concelhos potencialmente afectados.

Na sequência da decisão da ANAC, o Governo tomou a decisão de promover uma avaliação ambiental estratégica que fará um estudo comparado de três soluções.

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