Criptomoeda: deixará Portugal de ser um “paraíso fiscal”?
Urge legislar sobre os ganhos relativos a criptomeodas, para que estes se possam assemelhar, fiscalmente falado, aos outros ganhos financeiros.
O tema das mais-valias relativas a ganhos provenientes das criptomeoda é polémico. O debate está - na minha opinião, erradamente - centrado numa questão meramente ideológica e política. Para muitos, tudo deve continuar a ser como até aqui, ou seja, sem a existência de uma regulamentação fiscal; para outros, urge legislar sobre a matéria, para que esta se possa assemelhar, fiscalmente falando, aos outros ganhos financeiros.
Portugal continua hoje sem tributar os ganhos provenientes da criptomoeda, enquanto Espanha e França já têm legislação sobre o assunto. O tema não foi alvo de discussão pelos vários partidos que se apresentaram a eleições, embora haja de alguma forma a expectativa de que já nesta nova legislatura o tema “ganhos de criptomoeda” venha a ser discutido na Assembleia.
Sou um acérrimo defensor da sua regulação, na medida em que todo o investimento deve ter em conta todas as normas legais a ele subjacentes, para que, com o devido cuidado, se possa pensar e planear a decisão de investir neste tipo de activo.
Mas, para além disso, não taxar o seu ganho, de acordo com aquilo que conhecemos do nosso sistema fiscal, não fará muito sentido.
Portugal, optando por uma taxa liberatória a título definitivo de 28% em rendimentos de capitais e em rendimentos de valores mobiliários, não poderá encontrar ratio para não acomodar na legislação os ganhos provenientes das várias criptomoedas ao dispor. Outros exemplos haverá, como é o caso das mais-valias imobiliárias. Isto é, em grande parte, toda a transacção de activos é sujeita a tributação com as devidas excepções aplicáveis, assim como os diversos activos financeiros geradores de ganhos.
É premente que o legislador perceba as alterações do mundo financeiro e digital, aplicando-lhe o devido quadro legal e, tendo em conta o aumento de compra e venda de criptomoeda em cerca de 60% em 2020 face ao período anterior, o legislador deve estar atento a esta realidade económica.
Existindo, então, um vazio legal nesta matéria, parece ser adequado afirmar-se que, sem normas, o investidor tende a ser cauteloso. No entanto, creio que mais cedo do que o expectável haverá legislação sobre esta matéria, mas convém que sejam detalhadas, sem margem para dúvidas, algumas questões que podem vir à tona.
Desde logo, é essencial saber-se quais os encargos que podem ser alvo de dedução, tal como a fórmula de cálculo do rendimento, e de que forma podem ser deduzidas as perdas.
No entanto há outro dado importante para a discussão que não poderá ser ignorado. Já em 2020, o G20 discutiu o assunto e a OCDE produziu um importante relatório: o “Taxing Virtual Currencies” aborda algumas questões legislativas, fazendo recomendações aos países quanto ao reforço de políticas fiscais sobre a matéria da criptomoeda. Entre as várias recomendações, encontramos a necessidade do tratamento fiscal das moedas virtuais.
A importância da sua regulação fiscal traz outro aspecto relevante. Em fevereiro de 2021, o Banco de Portugal apontou a bitcoin e outras moedas digitais como um potencial veículo de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo.
Numa altura em que a importância do combate à corrupção está na ordem no dia, regular fiscalmente esta matéria é mais um dado que nos pode levar à reflexão.
Assim, e ao contrário daquilo que muitos possam pensar, a verdade é que se torna cada vez mais evidente a necessidade de preencher o vazio legal existente no quadro fiscal português da criptomoeda, tendo também em conta as orientações a nível da União Europeia como a da proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho em Mercados de Criptoativos ( MiCa).
Ter esta matéria regulada e definida permitirá ao investidor saber com o que pode contar, não se podendo confundir esta questão em particular como uma qualquer ideologia ou opção política, por estar sim em causa tratar jurídica e fiscalmente este rendimento de forma a igualá-lo a outros ganhos análogos.