Colecção de arte de Carmen Thyssen vai continuar em Madrid
Estado espanhol vai pagar anualmente 6,5 milhões de euros pelo aluguer de 329 obras do acervo da viúva do barão Thyssen-Bornemisza, durante década e meia. Museu Thyssen-Bornemisza voltará a poder abrir todas as suas salas, e a mostrar de novo Mata Mua, de Paul Gauguin.
Se tudo correr como anunciado, o Estado espanhol vai assinar esta quarta-feira, em Madrid, o acordo com Carmen Thyssen que prolongará pelo menos por mais 15 anos a permanência do acervo desta coleccionadora de arte no Museu Thyssen-Bornemisza. O acordo, a firmar pela influente viúva espanhola do barão Hans Heinrich Thyssen-Bornemisza (1921-2002) e pelo ministro da Cultura, Miquel Iceta, porá termo ao braço-de-ferro e às “tortuosas negociações” (a expressão é do diário El País) entre a coleccionadora e o Estado espanhol que correm desde há mais de uma década, e que, ao longo deste tempo, envolveram uma dezena de ministros.
Carmen Cervera, de 78 anos (Miss Espanha em 1961), casou em 1985 com o barão Thyssen-Bornemisza, tendo herdado dele a colecção que, em 2004, decidiu depositar no museu com o nome do ex-marido. Instalado no antigo Palácio Villahermosa, que para o efeito foi adaptado pelo arquitecto Rafael Moneo, o Museu Thyssen-Bornemisza fora fundado com base numa colecção que o próprio barão vendeu ao Estado espanhol em 1993, por 350 milhões de dólares (306 milhões de euros, pelo câmbio actual), recorda o ABC. O edifício está implantado no famoso bairro dos museus madrilenos, perto do Prado e do Rainha Sofia.
Depois de uma década de vigência do depósito de mais de 400 obras, que, entretanto, foi sendo prorrogado ano a ano, Carmen Thyssen decidiu, em 2017, abrir o braço-de-ferro e apertar as exigências às autoridades espanholas para garantir a continuidade do “empréstimo” da sua colecção. “Chega uma altura em que tenho de pensar nos meus herdeiros e que não vou ser eterna. Enquanto eu viver, a colecção não se pode dividir, mas a situação pode dar muitas voltas”, disse então a coleccionadora ao El País, reafirmando, contudo, a desejo de que o seu acervo continuasse em Espanha.
Nessa altura, a colecção de Carmen Thyssen, avançava este diário, estava avaliada em 800 milhões de dólares (701 milhões de euros actuais).
O diferendo quanto ao estatuto fiscal de Carmen Thyssen – que, entretanto, se radicou em Andorra para usufruir dos favores do principado neste domínio – e à definição do número de obras de que a proprietária poderia dispor anualmente para vender ou para realizar exposições no estrangeiro fez com que as negociações se eternizassem. A situação esteve quase a atingir a ruptura quando, ainda em 2017, a coleccionadora ameaçou retirar as suas obras do museu de Madrid – e já em 2020, em plena pandemia, com o Thyssen-Bornemisza encerrado, Carmen Cervera levou mesmo uma das “jóias da coroa” da sua colecção, a pintura Mata Mua (1892), de Paul Gauguin, para um bunker na sua propriedade em Andorra.
Simbolicamente, foi com a reportagem em torno do “resgate” e do transporte da tela de Gauguin para Madrid que jornais espanhóis como o ABC e o El País assinalaram esta terça-feira o fim do braço-de-ferro e a assinatura do acordo. “Carmen Thyssen, a baronesa que dobrou o pulso a dez ministros da Cultura” foi mesmo o título que o El País deu ao seu artigo sobre o regresso de Mata Mua ao Museu Thyssen-Bornemisza.
O acordo cuja assinatura está prevista para esta quarta-feira nas próprias instalações do Museu Thyssen-Bornemisza – que, desde o desconfinamento, mantinha parte das suas salas fechadas à espera dessa formalidade – fora já alcançado pelo antecessor do catalão Miquel Iceta, o socialista José Manuel Uribes, no início do ano passado. Determina que o Estado espanhol vai pagar 6,5 milhões de euros anuais pelo aluguer de 329 obras da Colecção Carmen Tyssen durante os próximos 15 anos, com possibilidade de prorrogação por mais cinco. O Estado assegura também “o direito de preferência” na compra de toda ou de parte da colecção.
A Colecção Carmen Thyssen é constituída por obras executadas entre o século XIV e o século XX por artistas como Canaletto, Fragonard, Courbet, Boudin, Monet, Sisley, Renoir, Degas, Rodin, Matisse ou Picasso. Mas será certamente nas cores vivas da paisagem que Gauguin pintou quando da sua primeira viagem ao Taiti que os olhares vão deter-se já nos próximos nos dias no museu, celebrando o regresso em pleno da instituição à agenda cultural madrilena.