Legislativas 2022: A derrota inesquecível da oposição democrática
A resiliente crise do PSD e a deslumbrante vitória do PS causaram a maior – na verdade inédita! –? derrota da oposição democrática em Portugal, quer à direita, quer à esquerda. Urge reconstruir rapidamente uma alternativa de governação responsável e estratégica.
A grande noite eleitoral legislativa deixou analistas, comentadores, partidos políticos e os próprios eleitores estupefactos. Vitória retumbante do PS, com maioria absoluta, tão inesperada quanto a perplexidade do líder do partido nas declarações a partir do Altis!
António Costa merece sentidos parabéns: percorreu, como demonstram os resultados, os passos que propulsionam uma estratégia eleitoral vencedora, tão estrondosa que abanou tectonicamente o sistema político-partidário português. Costa conseguiu apagar (temporariamente?) a voz do BE e da CDU como portadores de ideais e ideologia corretores à esquerda. O preço da proximidade ao aparelho de governação foi a perda do espelho identitário de esquerda entre os apoiantes históricos destes partidos.
Que não reste qualquer dúvida ao olhar perscrutador de analistas, imprensa e eleitores: o primeiro-ministro ficará na história política nacional como um dos grandes estrategas da democracia portuguesa.
E, todavia, é precisamente na perspectiva do futuro da democracia que o desfecho eleitoral se torna preocupante. A vitória socialista está ideologicamente enquadrada no contexto global de debate sobre a reforma do capitalismo para novos modelos sustentados em premissas de bem-estar social e ambiental, com pendor intervencionista do Estado. Por outro lado, a paradigmática maioria absoluta do PS traduz um imprevisto político que assinala hercúlea pressão eleitoral para uma reorganização célere da oposição.
Se António Costa ganhou o seu lugar entre os grandes nomes da estratégia política nacional no período democrático, o PSD merece ser premiado pela sua inexcedível contribuição para o triunfo hegemónico do Partido Socialista, contra todas as expectativas. O PSD obteve o resultado que construiu ao longo de anos de esbatida oposição, sem uma estratégia clara de alternativa política alinhada aos desejos da nova geração centro-direita que veiculasse simultaneamente e de forma eficaz as preocupações políticas, económicas e sociais dos seus apoiantes tradicionais.
A crise do PSD como partido viável de governação gera inquietação sobre a evolução do ecossistema político nos próximos anos. A dramática queda do partido como alternativa de governação contribuiu para inviabilizar o CDS-PP como opção política, secou o voto útil no centro-direita, e facilitou a emergência do pensamento liberal como organização política com mandato parlamentar expressivo.
Infelizmente, contribuiu também para o assombroso triunfo da direita extremada, mimetizando a evolução de outros sistemas políticos europeus. A meteórica e eloquente ascensão do Chega ao terceiro lugar no espectro partidário constitui um triunfo tão designativo quanto o de António Costa: a voz do partido colheu votos em todo o país, incluindo em distritos historicamente marcados pela (desaparecida) oposição à esquerda e triunfou apoteoticamente com a eleição de 12 deputados, conquistando até um mandato em Setúbal.
A resiliente crise do PSD e a deslumbrante vitória do PS causaram a maior – na verdade inédita! – derrota da oposição democrática em Portugal, quer à direita, quer à esquerda. Urge reconstruir rapidamente uma alternativa de governação responsável, estratégica, defensora dos direitos e liberdades sociais e políticos fundamentais, almejando o desenvolvimento de recursos humanos e tecnológicos que viabilizarão uma nova era por todos desejada de prosperidade económica, social e ambiental.