Os ciganos também contam

Crie-se projectos de integração laboral e formação (útil), trabalhando junto das empresas para que todos os ciganos tenham trabalho; acompanhe-se os jovens ciganos e as jovens ciganas de forma contínua para que possam ter sucesso escolar, dando-lhes condições para que possam estudar também em casa.

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Rui Gaudencio

As eleições legislativas já terminaram, com um resultado surpreendente até para os próprios vencedores, mas findos o rebuliço, os discursos e as arruadas as comunidades no geral regressam ao seu silêncio habitual e as comunidades mais ignoradas, como a cigana, voltam à invisibilidade.

As comunidades ciganas estiveram nas bocas de todos os líderes partidários nestas eleições, trazidos ao debate pela extrema-direita que demoniza e persegue este grupo de seres humanos que acusa de todos os males da nação e que equipara a uma espécie de deep state. No entanto, este tipo de estratégia já foi usada contra os judeus na Alemanha nos anos 30 e 40 do século passado, então não é preciso falar muito sobre a mesma. Todavia, o que é digno de admiração é o crescimento dessa extrema-direita nestas eleições legislativas. Será que os apoiantes e simpatizantes desses demagogos disfarçados de salvadores já se esqueceram de que eles mesmos ou os seus antepassados andavam descalços e mal tinham que comer enquanto seres humanos de segunda categoria durante o Estado Novo? Parece que sim.

Retornando à comunidade roma, muitas promessas foram feitas e o seu voto foi amplamente cobiçado à esquerda, pois o voto de um cigano também conta! De facto, as comunidades ciganas fizeram-se notar nas urnas (com uma abstenção ainda muito alta), mas mais por medo da extrema-direita do que por terem sido convencidos por quem quer que fosse. A desconfiança é uma qualidade (ou defeito) bem entranhada nos ciganos e a sensação que estas comunidades ficaram depois das eleições é que vai ficar tudo na mesma.

O problema é que não pode ficar tudo na mesma no que concerne aos roma, precisamos de crescer enquanto indivíduos, evoluir, romper a “bolha” que formamos à nossa volta e fazer-nos ouvir e notar como cidadãos portugueses que somos. Eu sou primeiro português, só depois sou cigano. Sou português cigano e eu não conto apenas como um voto, mas como cidadão de direito que sou! Muitos ciganos fizeram parte da campanha eleitoral por vários partidos, eu incluído (sou membro da Juventude Socialista), e elevaram as suas vozes por um futuro melhor; então exigimos que se lembrem que também contamos quando as eleições acabam.

Para isso, é verdade que é preciso trabalho da nossa parte, reconheço, pois “um povo que é apenas defendido por forças estrangeiras não pode prosperar”. Temos que querer mudar, fazer pela mudança e abrir as nossas fronteiras imaginárias. Contudo, as instituições estatais também precisam de abandonar o posicionamento paternalista que contribui, na maioria das vezes, para criar armadilhas de pobreza e ciclos viciosos intermináveis.

Crie-se, em vez disso, projectos de integração laboral e formação (útil), trabalhando junto das empresas para que todos os ciganos tenham trabalho; acompanhe-se os jovens ciganos e as jovens ciganas de forma contínua para que possam ter sucesso escolar, dando-lhes condições para que possam estudar também em casa e se interessem pela escola, os estudos e sonhem, criando objectivos, em vez de os fecharem numa sala com uma guitarra e um cajon flamenco (como fizeram comigo); crie-se uma escola inclusiva para todos, onde todos se sintam bem; faça-se acompanhamento familiar destas comunidades… Com medidas como estas poupar-se-ia muito dinheiro e os resultados alcançados seriam muito maiores e melhores.

Para isso, é preciso abandonar tanto as ideias de que as comunidades ciganas são alvos a abater e a perseguir, como as ideias de que todas as minorias (ciganos incluídos) são seres angelicais que devem ser protegidos como animais em vias de extinção. Deve-se ter um posicionamento humanista e olhar estas comunidades de frente, nos olhos. Dar-lhes uma esmola para que se entretenham e não atrapalhem não é o caminho. Por isso, para terminar, exclamo que olhem para mim – e qualquer cigano – como mais do que um voto, como um cidadão português com direitos (e deveres) como qualquer outro.

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