Cavala e quinoa: hambúrgueres que fazem bem ao cérebro
Comer o peixe azul com regularidade é uma boa forma de prevenir doenças neurodegenerativas. Por esse motivo, pedimos a dois chefs que criassem hambúrgueres de cavala e quinoa. Cada um tente a sorte aí por casa.
Um equipa liderada por Narcisa Bandarra, do Instituto Português Mar e da Atmosfera, e que juntou outros colegas da área da ciência do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge e da Faculdade de Medicina Veterinária, criou o projecto NewFood4Thought, que, como o PÚBLICO noticiou, tem três finalidades: mostrar a variação sazonal de DHA na cavala ao longo do ano, perceber que quantidades de DHA e vitamina B12 são necessárias para prevenir as doenças neurodegerativas, e criar alimentos com propriedades neuroprotectoras a partir de cavala, com a junção de quinoa. O DHA é o ácido decosa-hexaenóico, um ácido gordo determinante para o bom funcionamento do cérebro e que chega até nós por via daquilo que comemos. E a cavala é muito rica em DHA.
O DHA contribui para o bom funcionamento dos mecanismos de aprendizagem e da memória, sendo hoje certo que existe uma correlação entre reduzidos níveis de DHA e a progressão de patologias neurodegenerativas, como as doenças de Alzheimer e de Parkinson.
Outra linha de investigação onde está envolvida Narcisa Bandarra consiste em estudar o nível médio de DHA da população portuguesa. E os dados mais recentes apontam para a seguinte tese: as populações que ingerem com maior regularidade pescado têm níveis de DHA superiores àquelas que se alimentam à base de carne.
De resto, Narcisa Bandarra gostaria que a análise do DHA no nosso organismo pudesse ser mais um parâmetro a avaliar nas nossas rotineiras análises ao sangue, à semelhança do que já acontece noutros países. “Do ponto de vista de saúde pública, parece-nos que esse seria um dado importante a avaliar com regularidade.”
Ora, a cavala, que é barata e acessível, é rica em DHA e, também, em vitamina B12. E se à cavala juntarmos quinoa, temos um cocktail ainda mais rico por via da vitamina B9. Tudo em nome no nosso bem-estar.
Num artigo anterior apresentamos receitas mais clássicas com cavala. Agora, lançámos um desafio mais ambicioso a dois chefs: criar um hambúrguer de cavala e quinoa. Tiago Bonito (do estrela Michelin Casa de Calçada, em Amarante) e Cláudio Pontes (Fogo na Quinta, em São Miguel) responderam ao desafio.
Se a cavala é um peixe pouco atraente para a maioria dos consumidores e se o objectivo do projecto NewFood4Thought é criar aquilo que se chama um nutracêutico, nada melhor do que desenvolver um hambúrguer de cavala, de forma a cativar as gerações mais novas.
Claro que quando cada um destes chefs criativos começa a idealizar um prato, a imaginação em matéria de ingredientes é infinita (o mundo deles é assim). Mas cada um de nós pode, em casa, adaptar a receita. Há, todavia, uma alínea imposta pela equipa de Narcisa Bandarra: a cavala deve representar 75 por cento do hambúrguer e a quinoa os restantes 25%.
Cláudio Pontes | Raspado de cavala com quinoa e vilão de beterraba
Cláudio Pontes fez parte de uma célebre brigada de cozinha formada há uns bons anos por Aimé Barroyer na célebre cozinha do Hotel Pestana Palace, em Lisboa. Depois de ter passado por diferentes restaurantes, Cláudio regressou aos Açores e hoje está dedicado ao seu projecto Fogo da Quinta, que nasceu durante a pandemia para levar a casa de alguns micaelenses sortudos coisas bastante criativas. Espera, em Maio, ter um restaurante seu a funcionar. Enquanto tal não acontece, leva turistas à pesca com um amigo e depois vai toda a gente confeccionar para a quinta.
Estão a aparecer por estes dias umas cavalas belíssimas na costa norte da ilha. Com outros ingredientes, Cláudio fez um hambúrguer (prefere chamar-lhe raspado) com sabor bem micaelense.
Ingredientes
(para 4 pessoas)
4 cavalas
50 g quinoa
Refogado e molho de vilão
50g cebola
5g alho
30g pimenta da terra
150g beterraba
60g espinafres-do-mar
70g bolo lêvedo
15g açafroa
14g alecrim
Preparação
Depois de retirados os dois filetes de cavala entra o sal para curar o peixe durante 10 minutos. De seguida, retira-se a pele fina que a cavala tem no lombo e corta-se o peixe em pequenos cubos.
Prepare um refogado com cebola, alho e açafroa. Introduza a quinoa e refresque com um caldo feito com cebola, alho e açafroa. Deixe cozinhar por 10 a 15 minutos. Uma vez cozido, escoe o caldo que sobrou.
Envolva a cavala com a quinoa, na tal relação de 75/25, até se tornar uma pasta homogénea. Rectifique os temperos e coloque este preparado num aro.
Entretanto, tendo na memória o velho molho de vilão usado para temperar chicharrinhos fritos, Cláudio fez um outro molho para imitar aquele de tomate que se usa nos hambúrgueres clássicos: Refogue uma cebola e um dente de alho da Graciosa. Refresque com um pouco de pimenta da terra (não podia faltar, claro) e introduza a beterraba. Deixe cozer para, de seguida, triturar tudo, até que ganhe a consistência espessa.
Seguindo caminho, aqueça uma frigideira e core levemente o hambúrguer nas duas faces.
Depois, coloque o hambúrguer num tabuleiro. À volta, alecrim seco e açafroa. Com cuidado, pegue fogo à planta aromática e, durante 2 ou 3 minutos, deixe que o fumo se espalhe pelo raspado da cavala.
Empratamento
Coloque o vilão na base do prato e, por cima, o hambúrguer raspado. Para introduzir maior textura de mar, e sendo possível, decore o hambúrguer com espinafre-do-mar (sabor salino) e pedaços de torricado de bolo lêvedo.
Um raspado com sotaque bem micaelense.
Tiago Bonito | Cavala & quinoa, batata-doce e citrinos
Chef na Casa da Calçada e com uma estrela Michelin, Tiago Bonito tem boas memórias da cavala desde o tempo em que trabalhou no Algarve, no Vila Lara, com uma brigada cujos chefs executivos tinham uma idade bem mais avançada do que a dele. “Quando não era carapaus alimados era cavala cozida com batatinhas novas, orégãos da serra de Monchique, bom azeite e bom vinagre e está feita a festa. Uma maravilha.”
Tiago tem uma tese curiosa para o facto de a cavala ser pouco popular: “Não termos uma grande receita tradicional com cavala, por um lado, e, por outro, cozermos demasiado o peixe.” É por isso que a sua sugestão é manipular ao mínimo o peixe.
Ingredientes
(para 4 pessoas)
4 cavalas de 200/300g em filete
50g quinoa
300ml dashi (caldo japonês)
25g chalota picada
5g cebolinho picado
5g salsa picada
10ml azeite
2g gengibre ralado
q.b. sumo de lima
q.b. malagueta picada
q.b. sal
q.b. pimenta
Preparação
Coloque quinoa a cozer com um caldo dashi (caldo japonês) e um pouco de sal durante 12 a 15 minutos. Escorra a quinoa e deixe arrefecer.
Retire as espinhas e a pele da cavala. Pique o peixe até formar uma pasta.
Numa taça, junte a quinoa e a cavala (na tal relação 75/25), temperada com chalota, cebolinho e salsa picada, gengibre ralado, azeite, sumo de lima, malagueta picada, sal e pimenta q.b.
Com a ajuda de um aro faça hambúrgueres de 110 a 120 gramas. Cada hambúrguer deve ir a uma frigideira com azeite para ser corado dos dois lados (dois minutos para cada face)
Para o puré, coloque batatas-doces no forno e leve-as a assar com sal grosso a 180 graus, durante 35 a 45 minutos. Deixe arrefecer um pouco, retire a pele, corte cada batata em pedaços e triture com manteiga, temperando com sal e pimenta.
Para o crocante de batata-doce, corte o tubérculo numa mandolina em juliana fina. Seque a batata com a ajuda de um pano e frite-a em azeite a 150 graus, até ficar crocante.
Quando ao molho de citrinos, vai precisar de cortar maçã e pepino em pequenos cubos. Depois, junte o molho de soja, dashi, sumo de lima e triture tudo até emulsionar. A este molho junte cebolinho e os cubos de maçã e de pepino.
Empratamento
Na altura de servir, tudo é simples. O hambúrguer na base e, por cima, uma mistura de agrião, acelga e aneto. Ao lado, o molho de citrinos.
Uma criação ideal para surpreender os amigos.