Pico de novos casos de covid-19 nas crianças até aos nove anos já passou, dizem especialistas
Matemático Óscar Felgueiras refere que pico de incidência nas crianças “aconteceu há cerca de uma semana”, atingindo o valor mais elevado desde o início da pandemia em todas as faixas etárias. Descida deverá ser consolidada nos próximos dias. Restantes faixas etárias deverão acompanhar redução.
É provável que o pico de novas infecções desta quinta vaga de covid-19 em Portugal já tenha sido ultrapassado entre as crianças dos zero aos nove anos. Os números da incidência cumulativa a sete dias estão a descer há quatro dias, como confirma esta terça-feira ao PÚBLICO o matemático Óscar Felgueiras, indicando, por isso, que um pico foi alcançado. Quanto às restantes faixas etárias, a projecção é que sigam o mesmo caminho e que estejam actualmente a ultrapassar esse máximo de infecções.
Desde meados de Janeiro, e após a reabertura das escolas, as crianças dos zero aos nove anos foram o grupo etário no qual se registou um maior aumento nos diagnósticos de covid-19. Mas na semana passada o ritmo de crescimento começou a diminuir. “O pico aconteceu há cerca de uma semana”, refere Óscar Felgueiras.
“Neste momento aquilo que há de mais notório é de facto uma diminuição da incidência semanal nas crianças, que foi de cerca de 7% nos últimos quatro dias”, explica ainda e acrescenta que “é expectável que com o atingir do pico nesta faixa etária haja um alastrar também para as outras, que já mostram também uma tendência de estabilização mas que é natural que sigam depois o rumo que já foi iniciado pelas crianças”.
“A incidência semanal ainda se aproximou quase dos 8000 casos por 100 mil habitantes, claro que isto ainda está mais concentrado nos miúdos da primária, dos cinco aos nove anos”, explica o matemático. Este foi o valor mais elevado registado desde o início da pandemia em todas as faixas etárias, além de, comparando com o período homólogo de 2021, ser “mais de dez vezes superior”.
Restante população está a “passar pelo pico”
Quanto ao resto da população, que começou com o aumento de casos depois das crianças mais novas o terem iniciado, espera-se que a trajectória seja semelhante. “Depois de passar pelo pico a sequência é a mesma, ou seja, a primeira faixa etária a responder no aumento é também a primeira faixa a responder na redução de casos”, seguindo-se as restantes no seu encalço, defende Carlos Antunes, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que também sublinha que o pico de infecções nas crianças já passou.
Também Óscar Felgueiras concorda que esse será o cenário mais provável e adianta que este máximo deverá estar a ser atingido actualmente. “Provavelmente estamos agora a passar pelo pico, com o espaçar dos dias isso será mais claro e entre hoje e amanhã vamos ter a certeza de que já passou o pico.”
De volta aos mais novos, uma vez atingido este máximo, o esperado é que nos próximos dias se consolide esta descida na incidência. Será uma descida mais abrupta ou mais lenta? Para Carlos Antunes, o que aconteceu na Região Autónoma da Madeira serve de exemplo, em jeito de antecipação, daquilo que pode vir a acontecer no resto do país. Contudo, o matemático recorda que existem “várias hipóteses” quanto à evolução da incidência de casos de covid-19 no grupo dos zero aos nove anos.
Descida lenta na incidência
“É expectável que, e seguindo a tendência que já iniciou, a faixa etária das crianças em fase escolar continue a diminuir. Antes de dizer se essa diminuição é rápida, ou não, é primeiro necessário definir o que é rápido”, explana. Carlos Antunes entende que uma descida rápida neste indicador acontece quando a diminuição para metade do valor máximo acontece num espaço inferior a dez dias.
“Temos a região da Madeira que está numa fase descendente e que já ultrapassou o pico há 15 dias. O que se observa é que o ritmo com que o número de casos está a baixar é inferior ao ritmo com que subiu. Portanto, não está a ser uma descida abrupta. Levou 18 dias a reduzir para metade dos casos.”
Esse é o cenário que coloca como provável que aconteça no resto do país: “uma descida mais lenta”. Porquê? “A razão prende-se com a capacidade que o vírus tem ou não de infectar”, explica e admite que nas próximas semanas poderão existir “ressurgimentos de casos”.
Isso deve-se ao facto de a variante Ómicron ser mais transmissível, podendo reinfectar pessoas que já contraíram SARS-CoV-2 ou já vacinadas. “Ainda há um elevado número de pessoas susceptíveis a infecção com esta variante”, explica. E prossegue: “uma condição para que a incidência descesse abruptamente seria porque o vírus deixou de ter a capacidade de infectar porque já não há população susceptível à infecção, ou seja, já toda a gente está infectada, mas esse não é o caso”.
Com o número elevado de infecções por covid-19 em Janeiro nas crianças mais novas é colocado um entrave ao processo de vacinação. Apesar disso, a imunidade contra a doença acaba por ser adquirida de qualquer dos modos, seja ele natural ou por vacina, recordam os especialistas.
A partir deste sábado, 5 de Fevereiro, vão começar a administrar-se as segundas doses da vacina pediátrica contra a covid-19 às crianças dos cinco aos 11 anos. Contudo, nem todas as que foram vacinadas com a primeira dose ou as que não foram vacinadas de todo poderão completar já a vacinação. Mas, em declarações ao PÚBLICO, o epidemiologista Manuel Carmo Gomes insiste que esse factor “não deve desencorajar os pais de vacinar os filhos mais tarde”.
“As crianças que foram infectadas adquiriram imunidade natural contra a infecção. E aquelas que ainda não foram infectadas devem ser vacinadas”, refere. Carmo Gomes acrescenta ainda que “o que está na balança são os riscos decorrentes entre uma infecção por covid-19” sem vacina ou com vacina. Para o epidemiologista “todas as crianças vão, mais tarde ou mais cedo, ter um encontro com o SARS-CoV-2”, sendo os riscos de “miocardite, de gravidade da miocardite, entre outros, muito diferentes quando já se tem vacina tomada”.