UE vai voltar a ter uma representação no Afeganistão – mas só por motivos humanitários

Comissão Europeia garante que “não reconhece” o Governo taliban e que a delegação em Cabul não será uma “embaixada”, como anunciado pelo grupo islamista. Noruega vai receber uma comitiva taliban em Oslo.

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Tratamento das mulheres no Afeganistão estará no topo das reuniões entre taliban e representantes do Governo norueguês, em Oslo JORGE SILVA/Reuters

Seis meses depois de ter retirado os seus diplomatas e funcionários do Afeganistão, na sequência da tomada do país da Ásia Central pelos taliban – que se seguiu à saída das tropas norte-americanas e da NATO do território, ao fim de 20 anos –, a Comissão Europeia anunciou nesta sexta-feira que vai voltar a ter uma representação física e uma presença “mínima” em Cabul.

Perante o anúncio feito, horas antes, por um porta-voz do grupo fundamentalista islâmico, dando conta de que a União Europeia tinha “inaugurado oficialmente a sua embaixada, com presença permanente em Cabul, e praticamente iniciado as operações”, a Comissão fez questão de esclarecer, porém, que continua a não reconhecer a legitimidade do Governo interino afegão.

“A UE começou a restabelecer uma presença mínima de funcionários de uma delegação diplomática da UE [do Serviço Europeu para a Acção Externa] para facilitar a prestação de ajuda humanitária e monitorizar a situação humanitária [no Afeganistão]”, explicou o porta-voz dos Assuntos Externos da Comissão, Peter Stano.

“A nossa presença mínima em Cabul não deve ser entendida, de forma alguma, como um reconhecimento” do Governo taliban, afiançou Stano. “Isto foi claramente comunicado às autoridades de facto”, insistiu o porta-voz, citado pela Reuters.

Apesar dos esforços dos representantes do grupo jihadista, a comunidade internacional – e particularmente o Ocidente – continua indisponível para reconhecer a sua legitimidade enquanto detentor do poder político no Afeganistão, não só pela forma como derrubou o anterior Governo, pelas armas, como devido ao histórico de desrespeito pelos direitos humanos aquando da sua última passagem pelo poder, entre 1996 e 2001.

Na quarta-feira, porém, o primeiro-ministro interino afegão, Mohammad Hassan Akhund, responsabilizou a comunidade internacional pela grave crise económica e humanitária que o Afeganistão atravessa, nomeadamente quando decidiu “suspender os fundos para a reconstrução do país após a captura de Cabul”, em Agosto do ano passado.

“Peço a todos os Governos, especialmente dos países muçulmanos, que comecem a reconhecer [o Governo interino]”, apelou Akhund.

Segundo a Unicef, 98% da população afegã não tem o suficiente para comer e nove milhões de pessoas estão “desesperadas, à beira da fome”.

Para além disso, alertou, na terça-feira, uma porta-voz da agência das Nações Unidas, “este ano, um milhão de crianças no Afeganistão morrerão de desnutrição aguda grave”, caso não recebam a ajuda necessária de países terceiros e organizações humanitárias.

Oslo quer dialogar

Ainda que o reconhecimento internacional do Governo afegão esteja longe do horizonte da maioria dos países, a iniciativa que começa este domingo e que acaba na terça-feira, em Oslo, capital da Noruega, pode ser uma boa oportunidade para os taliban tentarem limpar um pouco a sua imagem.

O Governo norueguês anunciou nesta sexta-feira que vai receber uma delegação do grupo islamista, liderada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros interino, Amir Khan Muttaqi, para poder “esclarecer quais são as expectativas” da Noruega para o Afeganistão, especialmente em matéria de “educação de raparigas e mulheres” e “direitos humanos”.

Sublinhando, tal como a UE, que o evento “não representa uma legitimação ou reconhecimento” do Governo interino, a ministra dos Negócios Estrangeiros da Noruega, Anniken Huitfeldt, defendeu, porém, que “é essencial que tanto a comunidade internacional como os afegãos de diferentes sectores da sociedade entrem em diálogo com os taliban”.

“Temos de falar com as autoridades de facto do país. Não podemos permitir que a situação política contribua para um desastre humanitário ainda pior”, justificou, citada pela AFP.

Será a primeira vez desde a reconquista do Afeganistão que uma comitiva taliban é recebida por um país Ocidental. As anteriores viagens de representantes do Governo interino tiveram como destino Estados como a Rússia, a China, o Irão, o Paquistão ou o Qatar.

Huitfeldt revelou ainda que, para além dos encontros com responsáveis noruegueses e com cidadãos afegãos de diferentes contextos – “mulheres, jornalistas e pessoas que trabalham com direitos humanos e com questões humanitárias, económicas, sociais e políticas” –, a comitiva taliban também se vai reunir com “representantes de um número de países aliados”.

O jornal norueguês VG diz que estarão presentes em Oslo representantes da UE, de França, da Alemanha, de Itália, do Reino Unido e dos Estados Unidos.

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