Provedora: trabalhadores a recibos estão a ser discriminados no apoio a filhos em isolamento
Só os trabalhadores por conta de outrem conseguem aceder ao apoio para assistência aos filhos ou netos em quarentena. Provedora de Justiça diz que trabalhadores independentes têm o mesmo direito e denuncia “discriminação”.
A provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, escreveu ao Governo no final de Dezembro a insistir para que o executivo resolva uma série de problemas na atribuição de prestações sociais criadas durante a pandemia para apoiar o rendimento dos trabalhadores.
Num comunicado emitido nesta terça-feira, a provedora chama a atenção para o facto de os trabalhadores independentes que sejam pais e tenham filhos ou netos em quarentena continuarem excluídos do subsídio para assistência aos dependentes em situação de isolamento profiláctico, um problema para o qual Lúcia Amaral já alertara em Maio e que, apesar disso, continua por resolver.
Num novo ofício enviado ao secretário de Estado da Segurança Social, Gabriel Bastos, a 30 de Dezembro, agora tornado público, a equipa da provedora diz que os trabalhadores independentes, onde se inclui quem trabalha a recibos verdes, estão a ser alvo de “discriminação negativa”, porque aqueles subsídios continuam a ser atribuídos apenas aos trabalhadores por conta de outrem. A provedora diz que não há justificação para essa exclusão, já que, lembra, os trabalhadores independentes também são abrangidos pelo regime geral de Segurança Social relativamente à assistência a filho e a neto, isto é, à protecção que, depois, já durante a pandemia, serviu de base à criação “destes subsídios para assistência a filho e a neto em situação de isolamento profiláctico”.
Para a provedora, é preciso corrigir a interpretação dada pela Segurança Social a um número do artigo 21 do diploma que estabelece esse apoio (o Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março) para que os trabalhadores sejam incluídos.
No ofício, o provedor adjunto, Joaquim Cardoso da Costa, lembra que “entre os trabalhadores independentes contam-se muitos que são ‘economicamente dependentes’ [que trabalham sobretudo ou praticamente para uma só empresa] e que, caso não possam ficar em regime de teletrabalho, acabam por ver-se impossibilitados de dar assistência aos respectivos filhos e netos pelo facto de estarem a ser discriminados pela aplicação feita do preceito legal em causa, agravando-se a situação quando é determinado o isolamento profiláctico dos respectivos filhos ou netos mais do que uma vez”.
A questão coloca-se há quase dois anos, desde o início da pandemia, e, por isso, alguns dos trabalhadores afectados já passaram pela mesma situação mais do que uma vez, o que, segundo a provedora, exige que o Governo corrija a interpretação “com efeitos retroactivos a Março de 2020”, de forma a que as pessoas recebam as prestações devidas.
Recalcular os apoios
No mesmo ofício, o provedor adjunto alerta para outros dois problemas. Um tem que ver com a submissão e a correcção de requerimentos de apoios relativamente a meses anteriores, porque, diz, muitos trabalhadores não conseguiram submeter os pedidos com sucesso e, por isso, seria necessário fixar prazos extraordinários.
A segunda questão, acrescenta, tem que ver com o cálculo do apoio extraordinário à redução da actividade económica dos membros de órgãos estatutários de empresas, cooperativas e de outras pessoas colectivas. A provedoria entende que, para esse cálculo, deve ser considerada a remuneração com registos por equivalência no mês de Fevereiro de 2020.
Durante o período em que um trabalhador perde remuneração ao receber uma prestação social, a Segurança Social faz a chamada “equivalência à entrada de contribuições” com o objectivo de manter os efeitos da carreira contributiva, registando como referência o valor da remuneração que serviu de base ao cálculo dessa prestação. Essa equivalência visa evitar cortes na carreira e, para o caso dos apoios aos trabalhadores independentes criados durante a pandemia, o que a provedora vem dizer é que o cálculo da própria prestação deve seguir essa regra e não ter apenas como referência “a remuneração-base declarada em Fevereiro de 2020 ou, não havendo, o valor do indexante dos apoios sociais”, como tem sido feito pela Segurança Social.
Maria Lúcia Amaral pede que a Segurança Social corrija a sua actuação e adopte o mesmo critério que aplicou quando em 2020 pagou um complemento remuneratório aos trabalhadores que estiveram em layoff.
Num outro ofício, de 29 de Dezembro e agora divulgado, a provedora pede que a Segurança Social faça o registo das remunerações aos trabalhadores que têm recebido o apoio excepcional à família, para que o valor usado para a carreira contributiva tenha em conta a remuneração normal do trabalhador e não o valor do apoio.
“Esta questão, que continua a originar um significativo número de queixas, mantém a sua total actualidade, uma vez que os trabalhadores que beneficiaram de tais apoios no passado têm-se visto fortemente prejudicados nos valores das prestações sociais a que, entretanto, acederam e que continuam ou venham a aceder”, alerta a provedora no mesmo comunicado.