Legislativas 2022: para que servem estes debates eleitorais?
Num tempo de crescente animosidade, intolerância, tribalismo e trincheiras, este tipo de debate, apesar de poder ser cativante, não serve definitivamente a democracia.
No dia 2 de janeiro começaram os debates para as eleições legislativas de 2022. Com uma duração de 25 minutos, e descontando as intervenções do moderador, cada participante fala, na melhor das hipóteses, 11 minutos, repartidos por três ou quatro intervenções.
Ao cabo da primeira semana, o que podemos dizer sobre o formato?
Se em qualquer tipo de interlocução, a forma precede o conteúdo, neste caso, o formato é o conteúdo. O modelo escolhido privilegia um determinado tipo de preparação, de personalidade e de política, orientadas pela lógica mediática belicista, muito em voga nos reality shows e na “twitteresfera”. Estes frente-a-frente promovem braços de ferro que se desenrolam numa sucessão de microagressões. Para se ser bem sucedido, é preciso ter interiorizado um guião de candidatura diferenciador, perceber o que se quer de cada round – leia-se, de cada debate – e estar armado de frases-bala: cirúrgicas, incisivas e certeiras. É preciso dispor de uma estratégia para manietar o adversário, retirar-lhe tempo e concentração.
Estes formatos são máquinas produtoras de golpes e gafes. Os adversários não perdoam erros em direto, mas alguns jornalistas também não (veja-se o destaque dado à questão da prisão perpétua). Neste modelo não há espaço para hesitações nem complacências. Mais parecem uma versão condensada dos debates futebolísticos, com snipers políticos. De facto, não estamos no “Quem quer namorar com o agricultor?”, mas podíamos estar num “Quem quer aniquilar o adversário?”
Se dúvidas houver, basta estar atento às palavras que muitos jornalistas-comentadores usam no pós-match. Para além da sacrossanta pergunta “Quem ganhou o debate?”, as metáforas mais correntes são de desporto e de guerra: “arsenal”, “armas”, “aniquilar”, “massacre”, “fora de jogo”, “claques”, “derby”. Curiosa é também a opção de alguns meios darem notas aos candidatos, colocando-se no papel de avaliadores das performances estruturadas nas regras mediáticas. Não ponho todos os comentadores no mesmo saco, mas mesmo os que querem fazer análises substantivas estão limitados pelas características dos frente-a-frente.
Este formato-performance atesta a crescente profissionalização mediática dos políticos, com uma especialização em beligerância. Alguns fazem-no de modo óbvio – berram, humilham e ofendem à descarada –, outros, mais sofisticados, de forma sibilina, desferem ataques mortíferos para neutralizarem o oponente. O modelo contribui para a crescente aceleração do tempo da política, encolhe ainda mais a duração dos soundbites e consolida o processo de substituição do pensamento pela performance. Negar o formato, ou não saber jogar as regras do jogo, projeta uma imagem de incompetência e desadequação. Mas, de que modo é que ser bem sucedido neste tipo de formato nos informa acerca das capacidades dos candidatos para o exercício de cargos políticos?
Aqui chegados, há uma questão que se impõe: porquê este modelo? porquê tantos debates e tão curtos? Estaremos perante uma imposição das televisões (a dramatização do espetáculo garante audiências)? uma escolha dos políticos? uma decisão conjunta?
E como explicar a sua duração? Se os canais abertos estão amarrados a constrangimentos publicitários e de concorrência, qual é a justificação para o cabo? Os “debates” sobre o debate têm, no mínimo, o mesmo tempo concedido aos líderes partidários – e se há espaço para os comentadores falarem pelos candidatos e sobre eles, porque é que parte desse tempo não ficou do lado dos políticos para permitir o desenvolvimento de temas, projetos e ideias de futuro para o país?
Entre o mundo ideal e o real, a distância é grande, e é preciso calibrar as expectativas. Mas deveremos aceitar este formato como uma inevitabilidade? Não há espaço para imaginar outras possibilidades que consigam equilibrar audiências, estratégia política e esclarecimento? É que, num tempo de crescente animosidade, intolerância, tribalismo e trincheiras, este tipo de debate, apesar de poder ser cativante, não serve definitivamente a democracia.