A estratégia Ómicron: repensar os objetivos em 2022
Precisamos, de novo, de achatar a curva. Com vacinas, uso racional de testes, máscaras, distanciamento e ventilação dos espaços. Os políticos têm de comunicar e implementar bem a estratégia.
Há uma grande probabilidade de que a maioria de nós venha a ter covid-19 em algum momento. As vacinas e os novos medicamentos tendem a atrasar essa eventualidade ao máximo possível, para que, eventualmente, quando tivermos covid-19 esta seja o mais leve possível. Mas isso não significa que devamos abandonar todas as outras medidas!
Para superar o aumento repentino da variante Ómicron, todos nós precisamos, mais uma vez, de tentar achatar a curva. Como? Com a ajuda das doses de reforço, uso racional de testes rápidos, uso de máscaras adequadas, distanciamento físico e melhoria das condições de ventilação dos espaços interiores. Os políticos têm a máxima responsabilidade para que estas estratégias sejam bem implementadas e comunicadas.
I. Identificar a população em risco
O 3.º inquérito serológico nacional (a partir de uma amostra entre 28 de setembro e 19 de novembro de 2021) revela uma seroprevalência de anticorpos específicos contra SARS-CoV-2 na população residente em Portugal com idade superior a 1 ano de 86,4 %. Contudo persistiam cerca de 14,6% de pessoas não vacinadas e 8% com uma só dose. De entre as pessoas com imunidade ao SARS-CoV2, apenas 11% tinham a máxima protecção com três doses, e 73,4% com duas doses. De acordo com o último relatório de vacinação de 31/12/2021 existem 87,5% de pessoas com mais de 70 anos vacinadas com a dose de reforço; entre 60-69 anos estavam 62% e com 50-59 apenas 26%.
É essencial identificar quem está em risco de infeção! Assim o nosso foco deveria estar na vacinação dos não vacinados e no reforço o mais rápido possível dos mais vulneráveis, como residentes de lares de idosos, pessoas com mais de 65 anos e aqueles com problemas crónicos de saúde. Deveria estar em conhecer em Portugal o estado imunitário da população e identificar esses indivíduos mais suscetíveis, para que os mais vulneráveis possam ser rapidamente identificados e priorizados para tratamento que salva vidas, como Paxlovid (que está a ser avaliado na União Europeia) e outras terapias antivirais.
II. Terapias inovadoras
Tem-se falado muito dos anticorpos monoclonais que, se tomados no início da doença, podem reduzir o risco de doença grave e hospitalização. Em Portugal teremos acesso a estas terapias inovadoras? De acordo com o Infarmed, o único medicamento inovador disponivel é Ronapreve, desenvolvido pela Roche em parceria com a Regeneron (uma mistura de dois anticorpos casirivimab e imdevimab a administrar idealmente por via endovenosa, a nível hospitalar, nos primeiros sete dias da doença em indivíduos com factores de risco para o desenvolvimento de covid-19 grave).
No futuro (esperamos que seja o mais breve possível), o passo seguinte seria fornecer no domicílio, aos novos casos que testaram positivo e que têm factores de risco, um medicamento que possa reduzir risco de hospitalização. Para já, só nos EUA e em Israel é que está disponível o novo fármaco da Pfizer, chamado Paxlovid, que pode ser administrado por via oral.
III. Racionalização da realização dos Testes Rápidos de Antigénio
É importante que se reconheçam os limites dos testes rápidos de antigénio. Todos nós conhecemos casos de contágios no Natal em que os conviventes tinham testado negativo previamente…
Assim, no contexto da variante Ómicron, com maior transmissibilidade e tempo de incubação mais curto, várias pessoas fizeram autoteste de manhã que foi negativo e que à noite já era positivo… O tempo que medeia entre a testagem e o evento faz toda a diferença. Por outro lado, o tipo de colheita pode fazer a diferença: no Reino Unido, para os autotestes, sugere-se a colheita nas fossas nasais e na garganta, o que poderá aumentar a positividade segundo alguns autores. Outro estudo parece sugerir que a colheita de saliva é mais rentável para a Ómicron. Além disso, a FDA (Food and Drugs Administration, EUA) referiu recentemente que os autotestes parecem ser menos fiáveis com a variante Ómicron….
Por outro lado, uma vez que, felizmente, o acesso à testagem se incrementou nas últimas semanas, era importante reclarificar as indicações precisas destes. Os testes rápidos de antigénio devem privilegiar-se se não houver sintomas, enquanto o teste molecular (PCR) deverá ser escolhido se houver sintomas. Quanto mais frequentemente nos testarmos mais evitaremos evitar infetar outras pessoas!
IV. A vaga Ómicron 2022
Com estas incertezas, se no ano passado a superpropagação no Natal e Ano Novo se deveu a alguma impreparação das pessoas (e falta de comunicação) que avaliaram corretamente os riscos, este ano, apesar da grande disponibilidade de testagem, os riscos podem persistir….
Como irá ser este mês de Janeiro? As próximas semanas irão mostrar um aumento do número de infetados, e os internamentos irão aumentar também?
É óbvio que neste momento com a variante Ómicron a dominar em Portugal, com um perfil de doença mais ligeira, a contabilização do número de casos de infetados que estão a disparar não é o mais importante! Quantos destes infetados estão assintomáticos ou com doença leve? Estes poderão ser seguidos de forma simplificada.
O que seria fundamental era que se reportassem os casos que levam a hospitalização! Seria necessário esclarecer neste grupo quantos doentes têm covid-19 incidental – isto é, pacientes que chegam ao hospital por outro motivo e que depois testam positivo; seria oportuno saber quantos doentes necessitam de oxigénio, quantos necessitam de suporte respiratório não invasivo, quantos doentes foram intubados e ventilados em UCI.
Há muitos doentes que estão internados com covid-19 e não por covid-19. Isto explica por que razão tantas vezes “saem doentes das enfermarias ou das UCI” de forma tão rápida. E por que razão estes dados não são divulgados em Portugal? Estará o Ministério da Saúde a esconder esta informação ou não a conhece verdadeiramente? Conhecer, de forma regular, o estado vacinal dos casos internados daria maior motivação às pessoas com hesitação na vacinação.
V. Isolamento profilático e quarentena: será razoável mudar as regras?
Em virtude do elevado número de infeções, prevê-se que o número de pessoas que venham a ficar em isolamento ou quarentena atinja números que possam pôr em risco o funcionamento das sociedades.
Seguindo o exemplo dos EUA, que reduziram, para casos assintomáticos (ou com sintomas a resolverem-se, sem febre aos cinco dias) este isolamento para 5 dias, o Reino Unido, reduziu de dez para sete dias, obrigando a dois testes rápidos de antigénio negativos no 6.º e 7.º dia.
Fará sentido alterar este tempo de acordo com o estado vacinal (encurtá-lo, se já tem dose de reforço, infeção prévia há menos de três meses) ou se estiver assintomático, como já o fizeram EUA, Irlanda e Grécia?
A OMS já declarou que esta decisão é um delicado equilíbrio entre controlar a transmissão do vírus e manter a sociedade aberta.
A África do Sul seguiu uma regra mais radical, em que todos os casos que testaram positivo e que se mantêm assintomáticos não precisam de fazer quarentena. Devem fazer automonitorização durante 5 a 7 dias para despiste de quaisquer sintomas, e aumentar as precauções, incluindo evitar ajuntamentos, utilizar sempre máscara e manter distanciamento social.
VI. E os riscos na reabertura das escolas?
De acordo com o 3.º inquérito epidemiológico nacional, a população infantil (entre os 1-9 anos) é a que apresenta uma seroprevalência total mais baixa (17,9 %, IC 95: 14,0 a 22,6 %), que se deve inteiramente à infeção natural, uma vez que este grupo não tinha indicação para vacinação contra a covid-19 quando foi feito o inquérito.
A partir de 19/12/2021, começaram a ser vacinadas as crianças entre os dez e os 11 anos. E de acordo com o relatório de vacinação n.º 30, até ao dia 31/12/2021, 91714 crianças tinham sido vacinadas, o que corresponde a 39,6% do total de 23.1435 crianças elegíveis nessa faixa etária.
Nos dias 6, 7, 8 e 9 de janeiro de 2022 serão vacinadas crianças entre os 9 e os 7 anos. E a 15 e 16 de janeiro as crianças entre os 6 e os 7 anos. A 22 e 23 de janeiro, as crianças de cinco anos. Portanto, neste momento, ainda faltam, entre os 5 e 9 anos, 45.0275 crianças elegíveis.
No início do 2.º período, previsto para 10 de janeiro, estarão as crianças seguras? Se tudo se mantiver, nesta data, terão a vacinação iniciada (só com uma dose) apenas as crianças até aos 7 anos. Portanto, como reiniciar as aulas em segurança? O mandato de máscaras nas escolas deveria ser alargado até aos cinco anos. Por outro lado, quando nas escolas houver alunos com elevada taxa de vacinação completa, poder-se-á mais facilmente pôr em prática o protocolo “test to stay”, evitando idas de turmas para casa e disrupção do ensino. Assim, os alunos de turmas com casos, se testarem negativo com testes rápidos de antigénio, poderão manter-se no ensino presencial.
Para aumentar a proteção da comunidade escolar, o acesso a monitores de CO2, para manter a ventilação adequada nas salas de aulas, e os purificadores do ar com filtros HEPA deveriam ser disponibilizados às escolas.
Resumidamente, precisamos de fazer tudo o que for humanamente possível (vacinação massiva, uso de máscaras mais eficazes, ventilação dos espaços interiores, testagem e normas adaptadas) para manter a sociedade aberta, mesmo em face de uma grande onda Ómicron em 2022.
Como sabemos, a imunidade por meio de infecção acarreta riscos muito maiores do que a imunidade por meio de vacinas.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico