Catarina Martins: “Uma maioria absoluta do PS são recibos verdes, são privatizações”

Em entrevista à Lusa, dirigente bloquista defendeu que o “Bloco de Esquerda enquanto terceira força política é a garantia de uma exigência muito grande num programa de Governo que resolva os problemas do país”

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LUSA/MIGUEL A. LOPES

A coordenadora do BE considerou que é “muito importante” que o partido continue como terceira força política do país para afastar uma maioria de direita, mas um aumento da abstenção será uma derrota nas legislativas.

“É muito importante que o BE seja a terceira força política do país. O Bloco de Esquerda enquanto terceira força política é a garantia de uma exigência muito grande num programa de Governo que resolva os problemas do país”, disse Catarina Martins, em entrevista à agência Lusa.

A dirigente bloquista sustentou que a manutenção enquanto terceira força política vai ser “uma garantia de que a maioria de direita será afastada e é também uma garantia de que se vence a extrema-direita” em Portugal.

Questionada sobre como encarava um cenário de diminuição do número de mandatos que fizesse o partido ‘cair’ enquanto terceira força política, dando lugar, por exemplo, ao Chega, Catarina Martins referiu que “não alcançar objectivos é sempre uma derrota”, seja “pessoal ou colectiva”, mas o partido está convicto de que vai conseguir impedir uma alteração de maioria na Assembleia da República.

Uma possível ascensão do partido de extrema-direita, que actualmente tem em André Ventura o único deputado, é consequência de anos de desmoralização face à persistência dos mesmos problemas, considerou.

“Um dos problemas da falta de resposta à vida concreta das pessoas é o desânimo. E quando instalada, às vezes, a raiva toma o lugar da força e da esperança de construir soluções. Isso é o que tem acontecido um pouco no resto da Europa. Por isso é que é muito importante que a política sirva para resolver problemas das pessoas”, concretizou.

Contudo, uma derrota, na ótica da coordenadora do BE, não está associada à redução do número de mandatos, está no aumento da abstenção e no descrédito na política.

“Um mau resultado é as pessoas não irem votar. Um mau resultado é as pessoas desistirem do país, no meio desta confusão, da pandemia, do cansaço… Isso seria o pior. Este é um momento muito complicado, sentimo-lo todos, estamos todos cansados com a pandemia. Não se criaram as soluções que era preciso e as pessoas ficam fartas com isso”, elaborou.

Catarina Martins antevê uma campanha eleitoral em que o PS tentará “queimar as pontes possíveis” com a esquerda, à procura de maioria absoluta, cenário que o BE quer impedir para obrigar os socialistas a um “caminho negociado”.

“António Costa quer uma maioria absoluta e fará todo um discurso de campanha queimando pontes possíveis numa espécie de “eu sozinho sou uma boa solução”, resta saber se o país acha que isso é uma boa ideia”, antecipou, a propósito das eleições legislativas de 30 de Janeiro.

Para a coordenadora nacional bloquista, independentemente de quem teve culpa pelo chumbo do Orçamento do Estado para 2022 – para o BE, foi o PS – continua a ser possível a construção de “maiorias parlamentares de esquerda” em que tudo vai depender “da relação de forças” resultantes dos votos dos portugueses.

“Independentemente da apreciação do momento da crise - [o PS] foi falso, foi precipitado nesta vontade de ter uma maioria absoluta - independentemente desse julgamento, toda a gente percebe em Portugal que a situação de impasse político e a situação de uma espécie de pântano na vida nacional, em que os problemas não são resolvidos, é uma situação que não pode continuar”, considerou.

Para Catarina Martins, “é preciso um ciclo novo” que não será trazido nem por uma maioria absoluta do PS nem “pela direita ou pela extrema-direita” que, resume, “acha sempre que o salário mínimo é alto” e não quer “reforçar os serviços públicos”.

Face à posição do secretário-geral do PS, António Costa, que pediu “metade mais um” dos votos, por outras palavras, a maioria absoluta, Catarina Martins responde que “as pessoas sabem o que é a maioria absoluta do PS”.

Esse é também o argumento que utiliza quando questionada sobre se receia perder votos para o PS e o efeito do chamado “voto útil": “As pessoas têm memória” e “bem sabem o que é uma maioria absoluta do PS, são recibos verdes, são privatizações”.

“Essa memória do que é uma maioria do PS e do que é também a direita é uma memória que também vale no momento do voto”, sustenta Catarina Martins, insistindo que se a “esquerda tiver força, vai ser possível encontrar maiorias parlamentares para escolhas exigentes”.

Catarina Martins considerou que se exige aos partidos “clareza” sobre as condições de governabilidade e garantiu que o BE, “tal como em 2015 e 2019” está disponível para “um caminho negociado” no pós-eleições, caso se repita um cenário em que o PS vença sem maioria.

“A próxima legislatura tem de ter essa clareza. No BE sempre defendemos que era importante haver um acordo de maioria para uma legislatura, que fosse um acordo de governo, que tivesse etapas, metas, estratégias e objectivos que todo o país percebesse. E isso é preciso agora, e à cabeça é preciso uma reformulação do SNS, temos lutado muito por isso”, declarou, acrescentando as questões laborais e o aumento dos salários ao “caderno de encargos” bloquista.

“Quando não há maioria absoluta, certamente que o caminho há de ser um caminho negociado e há de ter de ter metas e estratégias que ultrapassem as debilidades dos serviços públicos, da escola pública, da justiça, mas também que seja capaz de recompor os salários e os direitos do trabalho em Portugal”, acrescentou.

Na memória de Catarina Martins, está um PS que em 2015 “não queria entender-se com ninguém, queria maioria absoluta”. E foi “a relação de forças” que resultou das eleições que “obrigou o PS a um acordo diferente” – a geringonça – que permitiu “descongelar as pensões e uma série de outros passos que as pessoas reconhecem como um momento importante da recuperação do país”.

Em 2019, continuou, o PS “ficou um pouco zangado” por mais uma vez falhar a maioria absoluta, mas, por ter tido mais força nas urnas [do que em 2015], “quis parar esse processo [de acordos à esquerda] e verdadeiramente parou, deixou de dialogar à esquerda” e preferindo “voltar-se para a direita” enquanto mantinha “a fantasia” de conseguir viabilizar os orçamentos à esquerda com políticas que “já não correspondiam”.

Da legislatura que termina, Catarina Martins observou que o que fica é o PS a negociar com o PSD o fim dos debates quinzenais “para tirar centralidade ao parlamento” e “em relação à contratação pública, os fundos europeus, e uma espécie de partilha de bloco central dos cargos dirigentes”.