Maioria absoluta? Ponham os olhos nas maldades históricas e nos “frugais”
As maiorias que os partidos formam no Parlamento dão força à política no seu sentido mais nobre, o de encontrar com outros os superiores interesses da população e do país.
Os dirigentes políticos têm a tendência de considerarem o momento político como sendo decisivo e as eleições as mais importantes. As próximas são importantes pela simples razão de que delas sairá o Parlamento que escolherá o Governo.
Tendo em conta a anunciada gula de encher o pote com a maioria absoluta, importa ter presente alguns ensinamentos da nossa História recente.
Comecemos pelas maiorias absolutas de Cavaco Silva. O homem governou como o rei D. Diniz – fez o que quis. Destruiu setores produtivos (marinha mercante, pesca, indústria e agricultura) em troca de uns subsídios do género de trocar um porco por três ou quatro chouriços.
No seu reinado ocorreu uma caterva de crimes cometidos por desvio de subsídios e as conhecidas manigâncias do setor bancário e financeiro encostado a um poder quase absoluto. A marca de Cavaco ficou ligada aos tipos de jipes dos jovens agricultores dos passeios de Lisboa. Lisboa parecia o Paris/Dacar. Era a agricultura do capitalismo popular.
E convém ter presente todos os ministros ligados ao BPN, o glamoroso banco da elite do PSD.
A maioria absoluta de José Sócrates deu autoestradas e mais autoestradas e um número bastante significativo de acusações da prática de crimes gravíssimos em apreço nos tribunais ou à espera de prescrição. O PS atolou-se de tanto poder ter abocanhado.
É preciso lembrara que o PS sozinho, à solta com uma maioria absoluta, é um perigo, até para si próprio. Não se trata de qualquer sectarismo. A experiência portuguesa mostra que quanto maior é a maioria do PS mais débil é a governação do PS e os factos não desmentem, desde o acordo do queijo limiano de Guterres, passando por Sócrates.
Imagine-se o que aconteceria à gestão dos fundos da “bazuca” com uma maioria absoluta do PS; Costa, mesmo sem a tal maioria, correu o país a criar a ideia de que a “bazuca” era do e para o PS. E o PSD não tem estaleca para dar lições.
Há depois algo de irracional no modo como Costa, um político inteligente e experiente, coloca de modo tão infantil o suposto dilema entre ele e Rio. E porquê? Porque Costa dentro desta lógica ilógica perdeu as eleições em 2015 e apesar disso foi nomeado primeiro-ministro; ganhou as regionais dos Açores e perdeu o governo regional, exatamente porque as maiorias se formam nos parlamentos. Porquê esta manipulação? Para justificar posteriores acordos à sua direita?
A maioria absoluta traz poder quase absoluto e dá a quem a tem a falsa ilusão de que pode fazer o que quiser, desprezando os diversos interesses representados no Parlamento, dado ter uma espécie de fiéis que votarão o que a direção lhes encomendar; longe vão os tempos das rebeliões dos deputados.
A maioria absoluta despreza os restantes partidos, corrompe, fecha o partido em si próprio e na luta por distribuição de lugares e cargos. Encerra a política nos interesses do partido maioritário. Esta realidade não traz estabilidade, faz sangrar a seiva democrática pela sufocação do controlo da vida política pela maioria absoluta.
As maiorias que os partidos formam no Parlamento dão força à política no seu sentido mais nobre, o de encontrar com outros os superiores interesses da população e do país. Impede a crescente descrença nas instituições porque um Parlamento que se transforma numa caixa de eco do Governo é pobre e deixa na população a ideia de que os deputados não servem para nada e, por outro lado, alimenta a extrema-direita que medra neste pântano de desesperança.
A política tem de ser entendida como atividade nobre e digna que exige compromissos e elevação no respeito pela defesa dos interesses populares, a partir das maiorias que se formarem no Parlamento.
Além do mais, com tantos europeístas e admiradores da Alemanha, seria bom ter presente que naquele país foram precisos três meses para se formar uma coligação; ao lado, nos “frugais” Países Baixos (pouco frugal esta designação) foram precisos nove meses para formar um governo de coligação e nos países escandinavos governam coligações de vários partidos. Então? Ponham os olhos nos “frugais”. E nas maldades históricas das maiorias absolutas.