Longevidade e carinho das avós fizeram prosperar os seres humanos
Num novo estudo, cientistas sugerem que a dependência das crianças favoreceu a longevidade e reforçou as mudanças culturais e biológicas entre os seres humanos. A humanidade, recorda-se, deve muito do seu sucesso às avós.
As avós têm um lugar de carinho em todas as famílias. São elas que cuidam e tratam das descendências, garantem a passagem de conhecimentos únicos e enriquecedores para as gerações vindouras. São uma força motriz por detrás da evolução de grande parte da sociedade humana, uma ideia defendida pela antropóloga Kristen Hawke com a “hipótese da avó”. Mas qual é o segredo para a longevidade das avós, para serem esta força motriz?
Uma equipa de investigadores da Universidade de Harvard (Estados Unidos) sugere agora que terá sido a actividade física necessária no cuidado dos descendentes que levou a uma maior esperança de vida dos avós e contribuiu para a longevidade dos seres humanos. “Os seres humanos foram seleccionados não só para viver várias décadas após terem deixado de se reproduzir, mas também para serem moderadamente activos fisicamente durante estes anos pós-reprodutivos”, refere o estudo publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences.
Por outras palavras, a selecção natural favoreceu a longevidade dos avós para estarem presentes nas famílias como apoio aos pais no cuidado da descendência e da família, e serem fisicamente aptos para o fazer. O desenvolvimento de uma criança é longo e requer cuidados intensos por parte dos pais, o que muitas vezes excede as suas capacidades. Esta “hipótese dos avós activos” pode ajudar explicar o papel dos avós como pilares na educação das crianças ao longo do seu desenvolvimento e, no caso específico das mulheres, explicar a razão pela qual, ao contrário do que acontece na maioria das espécies animais, podem viver décadas depois de perderem a fertilidade.
A “hipótese da avó”
Em 1997, os antropólogos Kristen Hawkes, James O’Connell e Nicholas Blurton Jones publicaram um estudo na revista Current Anthropology no qual defendiam que a esperança de vida na mulher tem aumentado e evoluído na medida em que foram desenvolvendo um papel mais significativo enquanto cuidadoras dos mais novos. A partir da observação de mulheres mais velhas da etnia hadza no Norte da Tanzânia (estas anciãs eram muito eficientes a recolher alimentos, que mais tarde partilharam com as suas filhas e as crianças), os cientistas elaboram a “hipótese da avó”.
O que é então esta hipótese? Os antropólogos defendem que as fêmeas mais velhas evoluíram para perder a sua capacidade de reprodução de modo a poderem usar o seu tempo e energia para alimentar a prole das suas filhas, o que pode ter ajudado na sobrevivência das crias. Além disso, as avós não querem competir por recursos vitais, tais como a alimentação, mas ajudar na sua obtenção em prol dos seus descendentes – outra boa razão para desenvolver uma estratégia de menopausa. E os seres humanos não são os únicos mamíferos em que as fêmeas entram em menopausa. Esta vida pós-reprodutiva feminina longa é rara no reino animal: além dos seres humanos, a ciência só observou o mesmo nas baleias-piloto-de-barbatanas-curtas e em orcas. Estes cetáceos também têm este processo e uma vida relativamente longa, que envolve as mães viverem em zonas próximas com as suas filhas e, muitas vezes, liderarem os grupos familiares.
Agora, as conclusões do novo estudo publicado na Proceedings of the National Academy of Sciences, que tem como principal autor o biólogo evolutivo Daniel E. Lieberman, vêm reforçar a “hipótese da avó” e a importância das avós na evolução humana. A “hipótese dos avós activos” é baseada em estudos e observações que mostram que, à medida que envelhecemos, a actividade física torna-se de facto mais, e não menos, importante.
“Somos seleccionados para viver depois de pararmos de nos reproduzir para aumentar o nosso sucesso reprodutivo. E fazemo-lo ajudando os nossos filhos e os nossos netos. Esse é o segredo da longevidade humana. Muitos outros antropólogos já escreveram sobre isto. Estamos apenas a acrescentar a actividade física ao facto de os seres humanos terem evoluído para serem avós”, afirma Daniel E. Lieberman ao site de notícias STAT.
Segundo o estudo, o esforço das avós permitiu aos bebés humanos e aos seus enormes cérebros terem tido mais hipóteses de sobrevivência e desenvolvimento e, em troca, os seres humanos terão sido recompensados por uma vida muito mais longa e saudável. Algo a que não se assiste nos nossos parentes mais próximos, como os chimpanzés, que, contrário dos seres humanos, são férteis até à sua morte, mas sofrem uma deterioração física significativa na casa dos 30 anos e não costumam viver depois dos 40.
Parece que o exercício físico associado ao cuidado dos netos evitou nos nossos antepassados o aparecimento de doenças que associamos (normalmente) aos mais velhos – como diabetes, cancro ou cardiovasculares –, mas que são raras entre os anciões do povo hadza (e que Daniel E. Lieberman analisou no estudo agora publicado), um dos últimos povos de caçadores-recolectores do mundo e que são, por isso, uma raríssima janela aberta sobre o passado pré-histórico do homem.
Há 60 mil anos
E quando começou o papel das avós? Em declarações ao El País, a paleoantropóloga Marina Lozano (do Instituto Catalão de Paleoecologia Humana e Evolução Social e que não participou no estudo), lembra que se estima que esta função essencial das avós terá começado com o Homo erectus, espécie que apareceu há cerca de 1,8 milhões de anos e terá evoluído a partir daí até aos seres humanos actuais. Mas terá sido há cerca de 60 mil anos, durante o Paleolítico Superior, que o número de indivíduos Homo sapiens que sobreviveu até uma idade em que podia tornar-se avós foi grandemente aumentado.
“Existe uma sofisticação cultural palpável; é a era em que a hibridação com os neandertais teve lugar. Este período era único, algo estava a acontecer e é evidente que estava a mudar a organização social e cultural, algo que também iria mudar o valor da avó”, comenta, também ao El País, Antonio Rosas, director do Departamento de Paleoantropologia do Museu Nacional de Ciências Naturais de Madrid.
Terá então sido há 60 mil anos que as avós começaram a ter um papel de enorme importância nas nossas sociedades e assim permaneceram até aos dias de hoje, a encherem-nos de mimos e a cuidarem de nós, tornando-se um dos traços que ajudaram a definir a singularidade do ser humano.
Texto editado por Teresa Firmino