Suécia, o fim dos abraços
A mudança da política sueca de combate à covid-19 é algo que me deixa um pouco confuso e com a sensação de que, desta vez, a opção foi a de evitar críticas futuras dos parceiros europeus.
Não se pode dizer que estejamos perante uma volta de 180 graus mas, desde 1 de dezembro, algo mudou na estratégia sueca do combate à pandemia.
Durante vinte meses, Anders Tegnéll, o epidemiologista-chefe da Suécia, disse, diversas vezes, que as medidas se ajustariam aos números e às evidências. Por outras palavras, a aposta sempre esteve no reforço do serviço nacional de saúde e nas recomendações de distanciamento, no teletrabalho, etc. Desta forma conseguiram os habitantes, em 2020 e 2021, manter alguma forma de vida normal, ou pelo menos aquilo que todos considerávamos ser normal até ao fim do ano de 2019.
Por outro lado, essa estratégia colocava tanto nos empregadores como na população em geral, a responsabilidade de contribuírem para o bem comum. E na falta de prova de melhores resultados, por exemplo com a máscara, limitaram as autoridades sanitárias a sua intervenção a recomendações nos transportes públicos, especialmente em horas de maior congestionamento. Nunca obrigatoriedade.
O facto de se olhar para as pessoas nos cuidados intensivos mais do que para o número de infectados, antes de aprovarem novas medidas, sempre me pareceu lógico. Aliás, foi essa a mensagem passada durante estes 20 meses. Cada um de nós tinha que fazer a sua parte para que as unidades hospitalares nunca ultrapassassem a sua capacidade de resposta. E em geral, julgo, a população respondeu.
Hoje, no dia em que escrevo, estão 48 pessoas nos cuidados intensivos. No último mês morreram, em média, menos de cinco pessoas por dia. Cerca de 80% dos habitantes, em idade de o ser, estão vacinados com as duas doses (20% já levaram a terceira). Não há comparação possível entre os utentes dos cuidados intensivos ou mortes diárias em novembro/dezembro de 2021 e a situação atual. Portanto, do ponto de vista dos recursos médicos, a situação parece estar controlada.
Seguindo a lógica anterior, o governo recomendou um regime de trabalho híbrido (casa e escritório), como forma de aliviar a quantidade de pessoas que se deslocam mas, ao mesmo tempo, proteger a saúde mental daqueles que não querem ficar em casa fechados. Mas deixam esta medida ao cuidado e escolha dos empregadores. Voltam a sugerir máscara nos transportes públicos em hora de ponta. Sugerem também, tal como no passado, que o distanciamento será essencial, nos restaurantes, escolas, universidades, comércio em geral. Ou seja, voltam a pedir à população que faça a sua parte. Até aqui tudo normal e em linha com a estratégia de decidir de acordo com os números, envolvendo os habitantes e pedindo-lhes responsabilidade.
Os números (ver gráfico) são mais ou menos claros. Há muito menos mortos e pessoas nos cuidados intensivos, quando comparados com idêntico período há um ano. Contudo, as autoridades sanitárias preparam a aprovação de um diploma no parlamento para, caso assim o entendam na fase seguinte de restrições, exigirem o certificado digital em qualquer espaço cultural e de lazer.
Desde o dia 1 de dezembro que está em vigor uma “versão light” desta restrição.
Ao sector empresarial de eventos com mais de 100 pessoas, por exemplo cinemas, exposições, conferências, etc foi pedido que exijam certificado digital ou, em alternativa, que garantam o distanciamento dentro das salas. Obviamente as empresas seguirão o caminho mais simples e menos dispendioso (pedir o certificado). Desta forma, sem criar uma proibição ou discriminação, o governo sueco com as suas recomendações aos empregadores cria de facto um regime de exclusão. Se em 2022 chegarmos à fase 2, nesse caso, o limite de 100 pessoas desaparecerá e o certificado ao lazer será o novo normal, um pouco como acontece em Portugal.
A nova primeiro-ministro, Magdalena Andersson, em conferência de imprensa, sugeriu que se fizesse uma “krampaus” (pausa nos abraços) aos não vacinados. Foi muito criticada, mas a mensagem é óbvia. Excluir quem opta por não se vacinar, teoricamente, num direito que lhe assiste.
Este é um problema que atravessa a Europa mas que, até ao momento, não se verificava na Suécia. Os governos europeus não querem a batalha que se adivinha ao tornarem a vacina obrigatória, contudo, criam as condições para que os não vacinados tenham de facto uma vida bem mais complicada. A Suécia juntou-se ao grupo e curiosamente, tal como em Portugal, não se prevê que o mesmo certificado seja pedido nos locais de trabalho.
Confesso que não me chocaria uma decisão europeia de vacinação obrigatória, se fosse essa a recomendação dos especialistas, mas choca-me, hoje e sempre, a criação de um regime com cidadãos de segunda. Traz-me memórias de outros tempos.
Por outro lado, esta mudança sueca numa altura em que os números, os tais números que sempre invocaram, provam que estavam no caminho certo, é algo que me deixa um pouco confuso e com a sensação de que, desta vez, a opção foi a de evitar críticas futuras dos parceiros europeus.
Que sentido fará, a um jovem adulto, estar no anfiteatro da universidade com 100 colegas mas, à noite, ter que mostrar um certificado digital para entrar num cinema com idêntico número de pessoas? Ou a um trabalhador de uma linha de montagem que nunca pára, entre os seus 500 colegas 8 horas por dia ter restrições para ir a um restaurante, a um ginásio ou a uma exposição?
Que lógica devo eu assumir quando compro um bilhete para ir ao cinema, numa sala com 98 lugares, sem qualquer restrição, mas, na outra ao lado, com capacidade para 110, já ser possível excluir uma parte da população?
Dois anos passaram e continuamos a navegar sem rumo e lógica no combate a esta pandemia. Desta vez, com a Suécia, suavemente, a meter um pé a bordo. O país que se cansou de ser excluído e passou, agora, também a excluir.