Jornalista Catarina Gomes vence Prémio Literário Revelação Agustina Bessa-Luís

Uma herança de terras e a ligação de uma mulher da cidade ao ambiente rural da sua família estão na trama de Terrinhas, romance com o qual a jornalista Catarina Gomes vence agora o prémio no valor de 10 mil euros.

Foto
Catarina Gomes foi durante 20 anos jornalista do PÚBLICO, onde continua a publicar algumas das suas reportagens daniel Rocha

O romance Terrinhas, de Catarina Gomes, venceu por unanimidade o Prémio Literário Revelação Agustina Bessa-Luís 2021, no valor pecuniário de 10 mil euros, garantindo a sua publicação, anunciou a Estoril Sol, que o promove em parceria com a Editorial Gradiva.

Sobre Terrinhas, o júri, ao qual presidiu o ex-ministro Guilherme d'Oliveira Martins, considerou tratar-se de “um romance que, a partir do ponto de vista de uma mulher tipicamente citadina, coloca em confronto o mundo rural e o mundo urbano”.

“A memória dos pais, que quase religiosamente vão à terra para trazer batatas, as quais invadem a cozinha e o imaginário da narradora, fornece a visão irónica e, por vezes, mesmo hilariante, com que esta avalia a infância e enfrenta dores e dramas da idade adulta. A alegria e a comovente ternura na avaliação da vida e da morte, associadas a uma escrita fluida e elegante, dão a este romance um indiscutível alcance literário, que importa valorizar e divulgar”, realçou o júri.

Em nota enviada à agência Lusa, a Estoril Sol cita a sinopse do romance: “O que raio é uma bouça? Um lameiro? Um corgo? Quantos nomes pode ter uma terra, além de terreno ou lote de terreno?”.

Cláudia M. Mendes, a protagonista, designer de interiores, vê-se, de um dia para o outro, herdeira de umas nesgas de terra na aldeia da avó, “de onde todos os Verões a família voltava com o tejadilho do carro cheio de batatas”.

“Forçada a voltar ao sítio onde era obrigada a passar férias, Cláudia vê-se no meio do campo a tentar chegar a terras que não vêm nem em mapas nem em GPS. Seguindo uma estranha trama de linhas desenhadas a calhaus e cruzes, abre-se entre Cláudia e a aldeia de Arrô uma nova e forçada ligação”, conclui a sinopse.

No mesmo comunicado, Catarina Gomes, que foi durante 20 anos jornalista do PÚBLICO e onde continua a publicar algumas das suas reportagens, explica: “A ideia para o romance Terrinhas nasce de uma herança verdadeira. Há uns anos, vieram parar-me às mãos um conjunto de terras numa aldeia do norte de Portugal que, para mim, eram apenas nomes estranhos. Nunca as tinha pisado e nem sabia o que fazer para lá ir dar. Eram terras que me chegavam de um tempo em que a terra era tudo, mas que agora pouco valiam, eram terras como as que aparecem nos noticiários de verão sobre incêndios, de quem já ninguém cuida e que acabam por arder sozinhas”.

“Há uma geração de portugueses com origens rurais que já herdou ou vai herdar terras como as de Cláudia [a protagonista do romance] e para quem elas já não representam quase nada”, afirma a autora.

Catarina Gomes acrescenta: “Das histórias das terras que herdei não descobri grande coisa, o que aconteceu foi pôr-me a imaginar o que lá se podia ter passado na altura em que terra era sinónimo de vida. Imaginava como aquelas terrinhas um dia tinham sido amealhadas, disputadas, amadas. Assim nasceu Cláudia, Arrô e a sua avó Adozinda”.

Para Catarina Gomes, “escrever um romance era um sonho tão antigo que quase não tem idade”. “Parece que me acompanhou toda a minha vida adulta. Sou jornalista há mais de 20 anos e o que tentei fazer nos últimos anos da minha prática profissional foi aproximar-me da ficção. Nos três livros de jornalismo literário que escrevi conto histórias de vida verdadeiras como se escrevesse um romance”, referiu.

Catarina Gomes é autora de outras obras já publicadas, designadamente Pai, Tiveste Medo (2014), sobre a experiência da guerra colonial, a que se seguiu Furriel não é Nome de Pai (2018).

No ano passado publicou Coisas de Loucos - O que eles deixaram no Manicómio - ​uma série de reportagens inicialmente publicadas no suplemento P2 do PÚBLICO em 2019 e que lhe valeu, também, o Prémio de Jornalismo em Saúde atribuído pelo Clube de Jornalista e pela Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica e ainda o Prémio de Jornalismo em Saúde Mental atribuído pela Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental - que “teve origem na descoberta acidental de uma caixa de cartão cheia de objectos de antigos doentes no primeiro hospital psiquiátrico português, o Miguel Bombarda”.

Catarina Gomes nasceu em Lisboa, em 1975, tendo recebido o Prémio Gazeta (multimédia) e o Prémio Internacional de Jornalismo Rei de Espanha em 2016, pela reportagem Quem é o filho que António deixou na Guerra, publicada em 2015.

Guilherme d'Oliveira Martins presidiu ao júri que foi também constituído por José Manuel Mendes, pela Associação Portuguesa de Escritores, Maria Carlos Gil Loureiro, pela Direcção-Geral do Livro, Arquivos e Bibliotecas, Manuel Frias Martins, pela Associação Portuguesa dos Críticos Literários, e, ainda, por Maria Alzira Seixo, José Carlos de Vasconcelos e Liberto Cruz, convidados a título individual e Dinis de Abreu, em representação da Estoril Sol.

O Prémio Literário Revelação Agustina Bessa-Luís foi instituído em 2008 e já premiou oito romances inéditos.