No Norte, há agora um roteiro dedicado à rabanada e não se esgota no Natal

Desenganem-se os que associam este doce, também conhecido como fatias paridas ou fatias douradas, exclusivamente à quadra natalícia. Rabanada que é rabanada cai bem o ano inteiro.

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Nelson Garrido

Tentámos. Logo no início da conversa, e também algures pelo meio, mas João Costa Faria e Tiago Lessa não cederam, nem um milímetro. Recusam-se a especificar qual é a melhor rabanada do país, uma vez que, também no que toca a esta iguaria, temos muitas (e boas) variedades. Doces ou salgadas, fritas ou no forno, com ou sem vinho, não há limites no que toca à confecção destas fatias que nos permitem evitar o desperdício de pão, garantem-nos os, respectivamente, presidente e vice-presidente da Confraria da Rabanada. E mais importante que tudo: ainda que seja presença obrigatória à mesa dos portugueses nesta quadra festiva, a rabanada não é uma iguaria exclusiva do Natal. A comprová-lo está o facto de vários restaurantes, no Norte do país, a servirem ao longo de todo o ano. Parte deles estão elencados no “Roteiro da Rabanada”, que a confraria acaba de lançar.

Este “guia para saber onde comer rabanadas todo o ano” contempla 15 restaurantes da cidade do Porto e quatro de concelhos vizinhos, e a perspectiva passa por, no próximo ano, chegar também à capital do país. Neste primeiro roteiro, tentou-se “divulgar diferentes opções e possibilidades de escolhas”, nota João Faria. A lista vai, assim, das variedades mais tradicionais às mais arrojadas. Um pouco à imagem do que vai acontecendo por esse país fora – já para não falar do mundo. “Quase cada família tem a sua própria receita de rabanadas, com diferentes tipos de caldas”, reparam os responsáveis pela confraria.

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Nelson Garrido

Na sua versão doce – sim, também as há salgadas , as rabanadas partem quase sempre da mesma base: passam-se as fatias em leite e ovo com açúcar e depois vão a fritar. “Há quem as frite em óleo, mas também há pessoas que as fritam em manteiga ou até em banha de porco”, desvendam, acrescentando a este conjunto de opções a versão “rabanadas no forno”. Tal como acontece com a calda ou cobertura, todas as possibilidades são bem-vindas. “Assumimos tudo aquilo que pode ser uma rabanada, desde uma espuma de pão até à receita mais clássica”, anunciam, lembrando que, até no nome, esta iguaria é dada a várias opções. “No Sul, são mais conhecidas como fatias douradas e também há quem as chame fatias paridas, porque eram dadas às mulheres após o parto”, recorda o presidente da confraria fundada em 2019, precisamente com o objectivo de promover o consumo desta iguaria fora do período natalício.

Chef Vasco Coelho Santos deu o mote

A história da Confraria da Rabanada está intimamente ligada à rabanada do chef Vasco Coelho Santos, do Euskalduna. Ao escrever sobre ela para um programa de televisão, João Faria, autor do blogue Menu Executivo, deu por si a fazer “autocensura, porque eram demasiados elogios à rabanada do Vasco”. Guardou os elogios para as redes sociais e, como as conversas são como as cerejas, não tardou muito a que se lançasse a ideia para o ar: porque não criar uma confraria da rabanada? Bem dito, bem feito. Gastrófilos, chefs e empresários, entre outros, uniram-se para promover esta iguaria cuja existência remonta, pelo menos, ao Império Romano. “A primeira receita conhecida é da autoria de Marcus Gavius Apicius [gastrónomo que se acredita ter vivido no século I]”, desvenda João Faria.

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A rabanada à Antunes Nelson Garrido

Passaram-se os anos, multiplicaram-se as receitas, juntaram-se-lhe novos ingredientes, mas a verdade é que a rabanada está cada vez mais actual. Numa época em que tanto se fala de combate ao desperdício, esta iguaria não deixa dúvidas de que é possível transformar um alimento que deixou de estar fresco e dar-lhe um fim nobre e guloso. E talvez seja essa uma das razões pelas quais a rabanada está tão enraizada na nossa cultura gastronómica. “Se hoje nada se desperdiça, quando não havia fartura menos se desperdiçava”, observa João Faria.

À Confraria da Rabanada não faltam planos para continuar a promover esta iguaria à base de pão. Além do roteiro, que resulta de um projecto liderado pela jornalista Teresa Castro Viana, pretendem “criar uma publicação com a história da rabanada em Portugal”, anunciam. Na calha pode estar, também, a edição de uma compilação de receitas.

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A rabanada de pistácio com mascarpone fumado, romã e laranja do Mito Nelson Garrido

Em paralelo, pretendem continuar a apostar nos eventos de degustação e workshops, como aquele que promovem este sábado, ainda a tempo do Natal. Orientado por João Pupo Lameiras, chef (RO, Bacalhau e Muro do Bacalhau) e membro da confraria, acontece no Workshops Pop Up (Rua do Almada, 275, Porto) e versará sobre uma rabanada tradicional, uma salgada e uma de pão-de-ló. Para aqueles que já não vão a tempo, há boas notícias: “Temos a intenção de repetir estes workshops”, anuncia Tiago Lessa. “Faz todo o sentido replicá-lo na Páscoa”, acrescenta, por seu turno, João Faria. Até lá, tem 19 variedades de rabanadas para experimentar. Bom proveito.

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