Dose de reforço chegou a dois milhões mas ainda sem provas de efeito directo numa menor incidência da covid-19
Alargar as doses de reforço a todos os adultos não seria necessário, mas “vai acontecer” perante a forte pressão europeia e o medo da subida da incidência, sobretudo com o aparecimento da Ómicron, dizem os especialistas.
Portugal administrou até este domingo dois milhões de doses de reforço da vacina contra a covid-19, anunciou a Direcção-Geral da Saúde. Abrangidas nesta fase estão as pessoas mais vulneráveis, com idades acima dos 65 anos, profissionais de saúde e de lares ou bombeiros envolvidos no transporte de doentes, bem como outros prestadores de cuidados a doentes ou idosos. Também estão a ser vacinados os maiores de 50 anos que levaram a vacina da Janssen.
Ao mesmo tempo, o mais recente Relatório de Monitorização das Linhas Vermelhas de sexta-feira dizia que a desaceleração da incidência na faixa etária acima dos 65 anos “pode ser explicada pela cobertura vacinal com doses de reforço superiores a 50%”.
De acordo com o mesmo documento, o grupo etário com 65 ou mais anos apresentou uma incidência cumulativa a 14 dias de 262 casos por 100 mil habitantes, valor superior ao limiar definido de 240 casos por 100 mil habitantes, o que corresponde a um indicador de gravidade muito elevada”; por outro lado manteve uma variação estável com “tendência para uma desaceleração”.
Sem efeitos comprovados
Porém, não resulta directamente daí que essa desaceleração esteja directamente relacionada com a toma da dose de reforço, dizem especialistas ouvidos pelo PÚBLICO. “É uma hipótese. Mas não sabemos. Isto porque não há um padrão de testagem (do número de testes realizados por dia) ao longo do tempo”, sustenta Tiago Correia, professor de Saúde Internacional e investigador do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa.
“Tinha de ser possível comparar a testagem entre grupos etários”, acrescenta. Com uma análise do número de testes por cada faixa etária por 100 mil habitantes poder-se-ia concluir em que medida a desaceleração em pessoas mais vulneráveis ou pessoas mais velhas se deveu ao reforço da vacina. Porque a variação da incidência pode subir ou descer em função da frequência ou do número de pessoas testadas em cada momento.
No limite, a desaceleração pode dever-se a menos testes nestas idades, o que significaria menos pessoas com sintomas ou formas graves através da infecção. Se estão a testar menos, significa que não têm sintomas. “E este é um sinal indirecto da eficácia da vacina”, argumenta o professor.
Reforço e outras medidas
Também para Miguel Castanho, investigador do Instituto de Medicina Molecular (IMM) da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, não se podem tirar conclusões sobre o efeito directo ou exclusivo da dose de reforço da vacina no controlo das infecções, uma vez que este pode também estar a beneficiar das restrições impostas com a entrada em vigor do estado de calamidade a 1 de Dezembro.
As autoridades de saúde em Portugal chegaram a colocar num horizonte temporal próximo a administração da dose de reforço à população em geral, e não apenas aos mais de 65 anos, continuando o processo com as pessoas com idades acima dos 50 anos.
Para o investigador Miguel Castanho, tal não se justifica. “A lógica da administração da terceira dose aos mais velhos não é algo que se replique por completo para os mais novos. O nosso corpo está preparado para ter uma imunidade com uma duração de anos”, explica, para o caso da população adulta abaixo dos 65 anos e não vulnerável.
Essa discussão tinha sido iniciada em Portugal quando ficou relegada para outro plano, sem prioridade definida, com a discussão das últimas duas semanas em torno da vacinação das crianças entre os cinco e os 11 anos.
Pressão europeia e medo
Para Tiago Correia, é apenas uma questão de tempo até a questão voltar a colocar-se. “Vai acontecer”, diz sobre esse debate, mas também sobre o reforço da vacinação para todos os adultos. “Vai acontecer, porque já havia uma pressão europeia” nesse sentido “que está agora reforçada com a chegada da variante Ómicron”.
“Está a haver uma pressão e um grande desespero perante a incidência que estamos a ter. A vacina é eficaz, mas mesmo assim não estamos a ter os níveis esperados de imunidade”, completa Tiago Correia.
A 24 de Novembro, de forma clara, o Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC, na sigla em inglês) fez uma recomendação clara no sentido de ser dada uma dose de reforço da vacina contra a covid-19 a todos os adultos, com prioridade para os maiores de 40 anos.
Foi igualmente indicado pela Agência Europeia de Medicamentos que o reforço deveria ser administrado cerca de seis meses após a segunda dose da vacina – este seria o procedimento, excepto para a vacina da Janssen (inicialmente de uma dose apenas) e a quem já começou a ser administrada a segunda dose.
Miguel Castanho insiste que isto não deveria acontecer em Portugal. “Acho que a terceira dose se entende numa perspectiva de precaução e cautela para aqueles que estão em risco de vida pela contracção da doença”, conclui o investigador do IMM.