Debate digital ajuda a esclarecer cuidadores informais

Quais os apoios para os cuidadores informais? De que forma se pode aceder aos mesmos? Como se concretiza na prática o Estatuto do Cuidador Informal (ECI)? E que balanço pode ser feito desde a sua criação? O evento digital “As One for Patients – Conhecer os direitos dos doentes e dos cuidadores”, organizado pela Merck, em parceria com o Público e o Movimento Cuidar dos Cuidadores Informais, realizou-se no passado dia 15 de Novembro, em directo no site, no Youtube e no Facebook do Público.

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De acordo com um estudo recente realizado pelo Movimento Cuidar dos Cuidadores Informais, seis em cada dez cuidadores informais não conhecem o ECI. Para dar resposta às suas necessidades, este movimento pretende ajudar a aumentar a literacia nesta área e esclarecer as dúvidas existentes. Mas há ainda muito a fazer. Com moderação de Rita Reis, responsável de comunicação da Merck em Portugal e na Europa Central, o debate contou com a participação de Rosário Zincke dos Reis, advogada e vice-presidente da Direcção Nacional da Alzheimer Portugal, Helena Carneiro, enfermeira especialista médico-cirúrgica e Susana Viana, directora da Unidade de Intervenção Social do Departamento de Desenvolvimento Social do Instituto da Segurança Social (ISS).

Susana Viana começou por afirmar que esta é uma medida de política social muito recente no país e que visa reconhecer o papel dos cuidadores informais”. Decorrente da lei 100 de 2019, o ECI visa definir os direitos e os deveres dos cuidadores informais e das pessoas cuidadas. A grande questão é que muitas pessoas ainda desconhecem os seus direitos. Rosário Zincke dos Reis defendeu que “as associações de doentes, os cuidadores e as juntas de freguesia podem ser veículos muito importantes para ajudar as pessoas a preencher o formulário para aceder ao subsídio e até a esclarecer as suas dúvidas” reforçando que as associações de doentes deverem ser, de facto, incluídas nas respostas que este Estatuto promete. Já Helena Carneiro destacou que “os próprios profissionais não têm muita informação e também não conseguem orientar os cuidadores”, sublinhando que o Estatuto é muito mais do que um subsídio financeiro e que as pessoas que cuidam dos seus familiares precisam de outro tipo de apoios e ajudas técnicas.

Em que consiste e a quem pode chegar este ECI, questionou a moderadora. Susana Viana respondeu que “pode chegar a todas as pessoas que cuidam de um familiar até ao quarto grau, quer na linha recta, quer na linha lateral e este familiar tem de ter uma dependência de segundo grau. O mais importante neste estatuto é a congregação de esforços que se materializa no Plano de Intervenção Específico (PIE) em que cada cuidador tem dois elementos-chave no apoio a este cuidador informal para fazerem um diagnóstico da situação.” Cuidar de alguém é uma tarefa muitíssimo exigente, salientou a representante do ISS, realçando o facto de os cuidadores não terem férias nem horários. “Cuida-se quando é necessário cuidar e durante todo o tempo em que é necessário.”

Helena Carneiro destacou que o PIE inclui grupos de auto-ajuda, formação e informação, apoio psicossocial, aconselhamento e acompanhamento… “Queremos também incentivar o descanso do cuidador e o Estatuto contempla ainda medidas de apoio profissional”, afirmou. A enfermeira defendeu que é preciso mais do que o acesso à informação e que as ferramentas digitais que existem hoje podem ser bons veículos para que os cuidadores partilhem as suas experiências e vivências. “É importante que os cuidadores conheçam as ajudas técnicas a que têm direito.”

É preciso simplificar a informação

Susana Viana esclareceu que requerer o reconhecimento do ECI não é o mesmo que fazer um requerimento de ajuda financeira. “Nem todas as pessoas que têm direito ao Estatuto têm direito ao apoio económico. No entanto, os dois pedidos podem ser feitos em simultâneo”, explicou. Apesar de defender que tem sido feito um caminho em termos de simplificação do requerimento a preencher para a candidatura do ECI, realçou o “quadro legal muito exigente e o processo administrativo muito pesado”.

Esta burocratização tem afastado algumas pessoas da própria candidatura. Se não entendem como podem ser abrangidas pelo ECI, também têm dificuldade em perceber a necessidade de avançar para este processo. “Este é um dos aspectos que nos reportam com frequência. As pessoas não conhecem a terminologia da lei, não é fácil preencher o formulário e temos verificado também algum descrédito relativamente ao Estatuto. Os cuidadores acham que é difícil entrar neste processo e consideram que não vão ter acesso a qualquer direito”, explicou Rosário Zincke dos Reis.

Dada a vasta experiência de Helena Carneiro no apoio a cuidadores no Reino Unido, esclareceu que existe uma definição do cuidador informal não remunerado em Inglaterra e que tem medidas de apoio muito parecidas com o do ECI em Portugal. “Os cuidadores têm auxílio na renda e benefícios de habitação devido aos custos muito elevados no Reino Unido. O próprio empregador facilita o cuidador e adequa os horários para cuidar”, salientou. Durante a pandemia, o número de cuidadores informais “aumentou bastante” e nos períodos de confinamento, os maiores pedidos de ajuda foram ao nível de transporte, alimentação e aquecimento da casa. “Algo muito interessante foi o facto de os cuidadores informais terem estado no grupo prioritário para a vacinação contra a Covid-19. Há um grande carinho pelos cuidadores informais e o que distingue bastante os apoios no Reino Unido em relação a Portugal é ao nível das ajudas técnicas, como os elevadores de transferência, por exemplo.” Além do passaporte do cuidador informal que existe no Reino Unido, os jovens também podem ser contemplados no Estatuto e terem acesso a suporte quando cuidam dos pais. “Também os vizinhos podem ser integrados para além da existência de leis específicas para pais que cuidam de crianças com deficiência.”

Susana Viana referiu que, em Portugal, existe um sistema de atribuição de produtos de apoio que se designa actualmente como ajudas técnicas. “Os produtos de apoio podem ser atribuídos de forma gratuita a quem precise consoante uma determinada lista homologada.” Referiu ainda que o ECI nacional também prevê a possibilidade de reduzir o horário de trabalho dos cuidadores, mas com a fragilidade de redução de salário. “Estamos na recta final dos projectos-piloto que duraram até Junho deste ano e a informação que temos do gabinete ministerial é a de que existem propostas de alterações ao Estatuto em circuito legislativo. Temos a expectativa de ter a lei publicada a curto prazo para incluir medidas que protejam mais os cuidadores informais que se mostram muito descontentes”, afirmou Susana Viana.

A Alzheimer Portugal fez parte da comissão de acompanhamento dos projectos-piloto e Rosário Zincke dos Reis assistiu a uma grande motivação, quer dos técnicos da Segurança Social, quer dos profissionais de saúde. “Esta lei foi aprovada por unanimidade, mas acabou por ficar bastante aquém daquilo que era desejável. As definições de cuidador e de pessoa cuidada são muito limitativas”, defendeu.

Que futuro?

Como balanço desta fase de projectos-piloto, a presidente da associação afirmou que o número de cuidadores informais vai continuar a aumentar, mas que ainda não existe um reconhecimento efectivo destas pessoas. “É importante alargar a abrangência e apostar muito mais nas medidas para um cuidador que abdica do seu trabalho e que as mesmas sejam implementadas no sentido de articular a missão de cuidar com a actividade profissional reconhecendo-se o tempo que as pessoas dedicam aos cuidados de outros na sua carreira contributiva.” Apesar de considerar que existe “uma luz ao fundo do túnel”, é da opinião de que estamos muito aquém do que seria expectável.

Helena Carneiro aproveitou para citar uma notícia do Público, de 26 de Outubro de 2021, que relata a manifestação de cuidadores que reivindicaram melhores condições para os cuidadores informais frente à Assembleia da República. O título “Cuidadores informais criticam só terem sido usados 700 mil dos 30 milhões do Orçamento de Estado de 2021” remete para a falta de motivação destas pessoas e para a necessidade de alargar o conceito de cuidador informal. “Se formos para o interior do País, um vizinho pode ter mais disponibilidade em ajudar.” E voltou a insistir na ideia de que os cuidadores informais “necessitam mais de uma cama articulada ou um elevador de transferência do que de um subsídio”.

Respondendo ao desejo de Rosário Zincke dos Reis em alargar o Estatuto a todo o País por considerar insuficientes os 30 concelhos previstos nos projectos-piloto, Susana Viana notou que o facto de os mesmos terem sido lançados em plena pandemia foi muito prejudicial para a saudável articulação entre os serviços da saúde e da Segurança Social. “Precisamos estreitar laços e tornar comum a linguagem entre estes profissionais.” Um trabalho conjunto é assim essencial e nele deve caber a capacitação de profissionais de saúde para que também eles sejam “incentivadores do Estatuto do Cuidador Informal”, defendeu Helena Carneiro.  

Para mais informações sobre os direitos dos cuidadores de informais aceda a https://movimentocuidadoresinformais.pt, “um movimento capaz de ajudar quem cuida”.

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