Tribunal de Contas diz que medidas de apoio público à habitação foram insuficientes
Auditoria pretendeu avaliar se a reacção ao impacto adverso da pandemia é adequada para assegurar a recuperação do sector de habitação, tendo em conta as cinco medidas extraordinárias tomadas através do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana.
O grau de execução e eficácia das medidas extraordinárias de resposta ao impacto da pandemia no sector da habitação revelou-se insuficiente, segundo o Tribunal de Contas que aponta também a reduzida informação prestada sobre as mesmas.
Com a auditoria, que se foca no ano de 2020 e cujo relatório foi hoje divulgado, o Tribunal de Contas (TdC) pretendeu avaliar se a reacção ao impacto adverso da pandemia é adequada para assegurar a recuperação do sector de habitação, tendo em conta as cinco medidas extraordinárias tomadas e que tiveram como entidade gestora o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU).
Em causa estão as medidas de conservação e reabilitação do parque habitacional (CRPH) do IHRU, protecção do arrendamento habitacional (PAH), criação de parque habitacional público de habitação a custos acessíveis (PHPHCA), apoio à reconversão dos fogos afectos ao alojamento local (RAL) e os mecanismos de redução, suspensão e isenção de rendas devidas a entidades públicas (MRSIREP).
“Até 31 de Dezembro de 2020, a reacção resumia-se a cinco medidas, com grau de execução insuficiente e incipiente” refere o relatório, especificando que duas das medidas “não apresentavam resultados”, que “só uma tinha meta definida, sem a ter atingido” e que “nenhuma se revelava eficaz para alcançar o seu objectivo nem para recuperar a situação inicial”.
Relativamente à execução financeira destas medidas em 2020, o TdC salienta que dos 63,5 milhões de euros previstos foram gastos 10 milhões de euros, o que “correspondeu apenas a 16% do orçamentado”.
A par da fraca execução, o TdC conclui ainda pela “desadequação e ineficácia” das medidas extraordinárias, pela “desarticulação entre a implementação das medidas extraordinárias e a prossecução do interesse público e que a informação prestada sobre as medidas extraordinárias “não foi completa, nem suficiente, não tendo promovido a responsabilização, a transparência e o escrutínio públicos, quanto à eficácia dessas medidas em atingir os seus objectivos e assegurar recuperação do impacto adverso da pandemia no sector da habitação”.
Meta reduzida
Segundo a informação enviada pelo Ministério das Infra-estruturas e da Habitação e pelo IHRU ao tribunal, a medida destinada à conservação e reabilitação do parque habitacional do IHRU -- que era anterior à pandemia -- foi a que teve uma taxa de execução mais elevada, já que dos sete milhões de euros orçamentados foram absorvidos 5,49 milhões (79%).
Neste caso, assinala o relatório, a medida “quase atingiu o seu objectivo (expresso pela sua meta anual), visto o indicador da sua execução física (número de fogos reabilitados) representar 98% da meta anual, não obstante a sua execução financeira apenas corresponder a 78% do orçamentado para 2020”. Porém, “a redução na meta para 2020 [de reabilitar 300 fogos] face ao resultado de 2019 (421), e o não incremento dessa meta (como reacção à pandemia) são contrários ao objectivo da medida”.
Relativamente ao PAH a taxa de execução foi de 29%, tendo sido gastos 1,16 milhões de euros dos 4 milhões orçamentados. Através desta medida, o IHRU concede um apoio financeiro a arrendatários habitacionais com uma quebra de rendimentos igual ou superior a 20% e com uma taxa de esforço para pagamento da renda superior a 35% e a senhorios em situação de carência económica por falta de pagamento de rendas. Os valores são concedidos por via de empréstimos sem juros, parcialmente convertíveis em apoios a fundo perdido até 1,5 milhões de euros.
Para o TdC, “a eficácia desta medida (cumprir o seu objectivo) é insusceptível de avaliação directa, visto esse objectivo não ter sido expresso através de meta para o indicador escolhido, que é o da execução física da medida (número de empréstimos concedidos)”.
Além disso, adianta o relatório, “o indicador escolhido também não assegura, só por si, o pretendido combate à pobreza” já que os inquilinos que recorram a estes empréstimos terão de pagá-los -- salvo na parcela que pode ser convertida em subsídio a fundo perdido -, sendo que “para cumprir o seu objectivo, a recuperação decorrente da aplicação da medida devia repor a situação inicial”.
Reacção do Governo
Em contraditório o Ministério das Infra-estruturas referiu que, perante uma crise pandémica, não é “possível nem consistente” antecipar, através da fixação de metas, o número de situações a abranger, sublinhando ainda, que o apoio ao pagamento da renda foi apenas um dos que foram atribuídos às famílias, e que não estava previsto a reposição da situação inicial (ausência de dívidas).
“Para apoiar a criação de um parque público de habitação acessível, através de construção nova e da reabilitação de património imobiliário do Estado, devoluto e desocupado, foram previstos 48 milhões de euros e gastos 3,3 milhões de euros (7%), sem ter sido disponibilizado qualquer fogo”, refere o relatório relativamente à medida PHPHCA.
Já no que diz respeito ao programa de reconversão do alojamento local em arrendamento acessível (RAL), o TdC assinala que, apesar do investimento anual de 4,5 milhões de euros previsto, “a medida não foi implementada em 2020”, concluindo pela sua ineficácia quanto ao seu objectivo -- colocar mais imóveis no mercado e acudir dificuldades dos proprietários do AL, dada a quebra registada no turismo.
Em contraditório o ministério tutelado por Pedro Nuno Santos afirma que a execução desta medida “está dependente do grau de adesão dos potenciais interessados (proprietários de unidades de AL), não sendo, portanto, possível estabelecer à partida uma meta para a sua execução”.
Relativamente aos mecanismos de redução, suspensão e isenção de rendas por entidade pública, aplicável a rendas vencidas desde 01/04/2020 com o objectivo de apoiar as famílias com necessidades habitacionais graves e/ou urgentes, através do IHRU, o TdC refere também aqui não ser possível fazer uma avaliação directa da eficácia da medida, uma vez que não existe uma meta do número de pedidos.
Porém, conclui a auditoria, tanto a execução física da medida (os 30 pedidos aprovados) como a execução financeira (28 mil euros) “são muito reduzidas”.
Perante as conclusões da auditoria, o TdC recomenda ao Ministério das Infra-estruturas que assegure que a eficácia, o financiamento e a vigência das medidas são suficientes para atingirem os seus objectivos.
Entre as recomendações dirigidas ao IHRU, enquanto entidade gestora das medidas, inclui-se a implantação de um modelo de avaliação de eficácia das medidas que permita obter informação sobre o seu objectivo, cumprimento de metas previstas ou resultados obtidos.
Esta auditoria às medidas de resposta ao impacto da pandemia no sector da habitação vem na sequência do relatório sobre “Riscos na utilização de recursos públicos na gestão de emergências (covid-19)”, aprovado pelo Tribunal de Contas em 1 de Junho e 2020.
Em sede de contraditório, o Ministério das Infra-estruturas e da Habitação, alega, “como ponto prévio, que o contexto desta auditoria pressupõe necessariamente o enquadramento legal das competências do Tribunal de Contas expresso na sua Lei de Organização e Processo (artigos 1.º , n.º l, e 5.º , n.º l, alínea g}, “não se compreendendo o escrutínio político das medidas em curso que deverá ser nas instâncias adequadas, nomeadamente na Assembleia da República, nos termos constitucionalmente previstos"”.
O relatório refere, contudo que competindo “ao Tribunal de Contas, nos termos da sua Lei de Organização e Processo, realizar auditorias às entidades sujeitas à sua jurisdição e aos seus poderes de controlo financeiro” há que “distinguir claramente entre o escrutínio político das medidas em causa, que não compete ao Tribunal e não consta do presente relatório, e a avaliação técnica da implementação dessas medidas, nomeadamente quanto à sua eficácia, no período de incidência, que a auditoria examinou e é reportada neste relatório, tal como muitas outras instituições congéneres fizeram ou estão a fazer”.
Seria, “aliás, incompreensível” o TdC “não realizar auditorias sobre a reacção ao impacto adverso da pandemia face à gravidade, importância e materialidade desse impacto em Portugal”.