José Mário Branco homenageado pela Associação José Afonso com dois concertos
Sábado e domingo, José Mário Branco vai ser lembrado em concertos de tributo no Fórum Lisboa. No cartaz, Cramol, Pedro Branco, El Sur, Marco Oliveira, Jakilson Pereira e Flávio Almada.
Dois anos exactos após a morte de José Mário Branco (1942-2019), a Associação José Afonso (AJA) presta-lhe homenagem num concerto-tributo com duas sessões no Fórum Lisboa, uma no sábado à noite, às 21h30, e outra no domingo à tarde, às 17h30. O programa será o mesmo, tal como os participantes: o grupo coral polifónico Cramol, o cantor e compositor Pedro Branco, o quinteto El Sur, o fadista Marco Oliveira e os MC’s e activistas de hip-hop Jakilson Pereira e Flávio Almada.
No segundo dia, o espectáculo será antecedido, às 15h, pelo lançamento da terceira edição, agora com chancela da AJA, do livro José Afonso, Todas as Canções, com partituras, letras e cifras de 159 músicas de José Afonso, transcritas por José Mário Branco, Guilhermino Monteiro, João Lóio e Octávio Fonseca. A apresentação será feita por Octávio Fonseca, Pedro Branco e Paulo Esperança. Nos dois dias, estará patente no átrio do Fórum uma exposição de fotografias de Tiago Vital, intitulada Quantos é que nós somos?, que documenta os últimos dias de José Mário Branco, no seu trabalho de estúdio com Marco Oliveira para gravar o disco Ruas e Memórias.
Um espelho de diversidade
“Todos os anos, por alturas do aniversário da associação, que é a 18 de Novembro, fazemos um espectáculo em que homenageamos cantores, compositores e músicos de algum modo ligados a José Afonso”, diz ao PÚBLICO Francisco Fanhais, presidente da associação. Em 2017, quando a AJA completou três décadas, o espectáculo comemorativo teve como figura principal o próprio Francisco Fanhais, cujo primeiro álbum, Canções da Cidade Nova (1970), tinha na contracapa esta dedicatória manuscrita, em forma de poema: “Tu que cantas/ Defronte/ De faces atentas/ e seguras/ Faz do teu canto/ Uma funda./ Nesse lugar/ Entre outras mãos mais fortes/ e mais duras/ Te estenderei/ A minha mão fraterna./ Canta amigo!” Assinava-a José Afonso. O espectáculo teve lugar no Fórum Lisboa, sala escolhida para estes concertos, que em 2018 homenagearam Manuel Freire e em 2019 Rui Pato, que acompanhou José Afonso à viola nos primeiros tempos.
O espectáculo centrado na obra de José Mário Branco já estava pensado antes da sua morte, em 19 de Novembro de 2019, acabando esta por alterar tudo. Então, no palco que seria dele, ainda que partilhado com outros músicos convidados, estão agora outras vozes que o interpretarão. A divisão por dois concertos deve-se sobretudo às normas ditadas pela pandemia, já que, quando foram marcados, a lotação da sala era obrigatoriamente reduzida a metade. Como os concertos de Manuel Freire e de Rui Pato tinham esgotado a lotação, a AJA quis prevenir-se e marcou dois.
Quanto aos músicos participantes, os seus nomes já tinham sido falados quando se começou a pensar no espectáculo em novos moldes, no ano passado, conforme diz ao PÚBLICO Ricardo Andrade, investigador do Instituto de Etnomusicologia (INET-MD) da Universidade Nova de Lisboa e também membro da direcção da AJA. “Queríamos pensar em algo que reflectisse a sensibilidade e os múltiplos interesses (não todos, isso seria impossível) de José Mário Branco no que toca à actividade musical: o interesse pela música tradicional, pelo fado… Os El Sur vão tocar, não só, mas sobretudo o repertório para cinema e para teatro; o Jakilson e o Flávio são dois rappers que tinham uma ligação próxima com ele, de amizade e não só, até participaram em algumas iniciativas no âmbito do jornal Mudar de Vida [que José Mário Branco fundou em 2007], representando aqui a faceta mais activista; o Marco Oliveira, que gravou o último disco que o José Mário produziu, vem representar o domínio do fado; e o Pedro Branco, o filho, participa por razões óbvias. Quisemos fugir ao típico espectáculo de homenagem em que se convidavam grandes nomes que fossem ali cantar e interpretar José Mário Branco.”
Uma relação fraterna
A ligação de José Mário Branco a José Afonso, pretexto inicial deste concerto, é antiga, durou muitos anos e teve o seu momento fundador no trabalho que fez como arranjador (ou como “encenador de canções”, designação que ele sempre considerou mais exacta) nos álbuns Cantigas do Maio (1971) e Venham Mais Cinco (1973), ambos gravados em Paris, onde ele se encontrava exilado desde 1963, regressando a Portugal onze anos depois, em 30 de Abril de 1974. Foi também em Paris que Francisco Fanhais o conheceu, como recorda agora ao PÚBLICO:
“Quando eu fui em Abril de 1971 para França, a primeira pessoa com quem contactei foi com o José Mário. E foi daí que nasceu este nosso convívio e amizade. Disse-lhe: ‘Venho fazer aqui aquilo que não posso fazer em Portugal, que é cantar. Sempre que achares que eu possa ser útil, conta comigo, porque eu não estou aqui para passar férias nem para passear’. Foi o José Afonso que me deu boleia para Paris, porque ele ia cantar no II festival da Canção Ibérica, perguntei-lhe se me dava boleia, ele disse que sim e lá fui eu com ele e com a Zélia para Paris.”
Acabariam por se encontrar os três no registo, em França, daquela que é considerada uma das obras máximas de José Afonso, Cantigas do Maio, entre Outubro e Novembro de 1971: “Vi-o trabalhar na gravação do Cantigas do Maio [Fanhais foi um dos que, com José Mário e José Afonso, gravaram os passos arrastados em movimento circular que abrem Grândola vila morena] e presenciei a extrema organização com que desenvolvia todo o seu trabalho. O resultado disso, como é patente nas suas letras e músicas, é um convite a que não baixemos os braços. Além de ele ser um companheirão, muito dedicado, tranquilo mas muito firme, sentia-se uma relação muito próxima, muito directa e muito fraterna. É isso que retenho do contacto com ele.”
Popular e polivalente
Ricardo Andrade, de uma geração mais nova, vê assim a transversalidade musical de José Mário Branco, que este concerto pretende de algum modo retratar: “Tive a oportunidade de falar muito com ele sobre o seu repertório gravado, e foi na sequência desse trabalho que fizemos nos últimos anos de vida dele que estamos, eu e o meu colega Hugo Castro a tomar conta do espólio documental e fonográfico do José Mário Branco. E a transversalidade, ou melhor, a polivalência, que era o termo que ele utilizava no sentido da compreensão das práticas diárias musicais, era uma coisa muito importante para ele e era, de certa forma, também característica de alguns músicos da sua geração. Eu sou de uma geração em que é muito mais usual a identificação de um músico com um estilo musical, que está muitas vezes ligada a um estilo de vida. Mas ele era um compositor popular e interessava-se por muitos domínios do universo da música popular.”