Aligeira-se o texto, agrava-se o futuro

Vamos todos sofrer em resultado daquilo que tem sido a incapacidade dos líderes mundiais de seriamente se envolverem no combate às alterações climáticas, porque o seu impacto, esse, não esperará.

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Manifestação de activistas em Glasgow EPA/ROBERT PERRY

Quando saí quinta-feira à noite de Glasgow, na Escócia, a proposta de acordo da Cimeira do Clima, não sendo aquela que mais serviria ao destino do planeta, ainda não havia sido “revista em baixa”. Essa foi uma notícia que me chegou com desapontamento - mas, infelizmente, sem muito espanto -, ao ver que continuam a ser feitas cedências aos interesses dos alegados “donos disto tudo”. Mas uma coisa é certa: vamos todos sofrer em resultado daquilo que tem sido a incapacidade dos líderes mundiais de seriamente se envolverem no combate às alterações climáticas, porque o seu impacto, esse, não esperará.

Os recuos, relativamente ao já não muito ambicioso texto que havia sido divulgado inicialmente, começam logo pela dilação no tempo - de 2023 para até 2025 - do prazo para que venha a estar reunida (e em vigor) uma verba na ordem dos 100 mil milhões de dólares (87,2 mil milhões de euros) a alocar anualmente aos países em desenvolvimento para investimentos em medidas de mitigação e adaptação às alterações climáticas. Um montante que, de resto, estes países, dada a sua maior vulnerabilidade socioeconómica, já deveriam estar a beneficiar desde 2020, pois que são também as populações destes países e das pequenas ilhas que mais sofrem com os impactes resultantes dos maiores poluidores como os EUA, a China, a Índia, a Rússia e o Japão

Sinais de alerta de que o acordo que sairá de Glasgow ficará mesmo muito aquém do que seria necessário para travar o aumento médio da temperatura global a pelo menos 2,1º C chegam-nos também do facto de que expressões mais “duras” e mais significativas, como “subsídios aos combustíveis fósseis” (subsidies for fossil fuels) terem dado origem à expressão “subsídios ineficientes” (inefficient subsidies), claramente aligeiramento do grau de ambição e de compromisso.

Se é verdade, porém, que no texto inicial ainda constava o pedido às Partes para que “revisitem e reforcem os objetivos de 2030 na sua determinação nacional de contribuições necessárias para se alinhar com o objetivo de temperatura do Acordo de Paris até ao final de 2022”. Todavia, relativamente ao primeiro draft - em que se exortava (e não pedia) aos países - é acrescentado que o façam “tendo em conta as diferentes circunstâncias nacionais”. Ou seja, é aberto aqui espaço para que, em face das “circunstâncias” possam os países incumprir no reforço dos seus compromissos.

Muitos outros exemplos poderiam ser dados sobre como, a cada fase negocial concluída, o texto a acordar pelos cerca de 200 países que, em mais uma Conferência das Partes, se sentam à mesa das negociações para, em nosso nome - mas sem que verdadeiramente nos tenham ouvido - decidam o nosso futuro e o futuro das gerações vindouras. Mais do que lamentável, é profundamente preocupante que “os donos disto tudo” não consigam ver para além do lucro “fácil"’ e “rápido” e estejam, desse modo, a comprometer os próprios recursos que usam na sua obtenção. Chama-se a isto, vulgarmente, “dar um tiro no próprio pé”, só que neste caso, sofreremos todos.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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