A COP26 terminou este sábado à noite, com uma reviravolta de última hora. O Pacto Climático de Glasgow conseguiu manter na sua declaração uma referência aos combustíveis fósseis, mas deixou de prever o fim do uso de algum carvão, como estava escrito na declaração levada para a sessão de encerramento, para se contentar apenas com uma “diminuição” do seu uso. Uma sugestão de última hora, apresentada pela Índia, que o presidente da COP26, Alok Sharma, aceitou, para não perigar a aprovação de um acordo que a maior parte considera ser um passo certo, mas insuficiente para manter viva a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5 graus Celsius, até ao final do século.
Foi uma reviravolta inesperada e que enfureceu algumas delegações, como a Suíça, que disse que lhe fora dito que não haveria alterações de última hora. A Índia apresentou, já na abertura do plenário final da COP26, o seu pedido de alteração para que a referência ao carvão fosse alterada, deixando de constar que seriam “aumentados os esforços” para acabar com o seu uso, para passar a referir-se que esses esforços seriam para “diminuir” o seu uso. A alteração prevê ainda “o fim dos subsídios ineficientes aos combustíveis fósseis, enquanto se fornece apoio dirigido aos mais pobres e vulneráveis, em linha com circunstâncias nacionais, e reconhecendo a necessidade de apoio para uma transição justa.”
A emenda transmitida oralmente foi aceite por Alok Sharma que, depois de ouvir alguns delegados, pediu desculpa pela forma como esta mudança ocorrera, emocionou-se e chorou alguns segundos. “Peço desculpa, peço muita desculpa. Percebo o desapontamento. É vital que protejamos este pacote”, disse, parando, incapaz de continuar, por causa da emoção, e recebendo um aplauso.
Tornara-se claro, durante o plenário que decorreu durante a tarde, que ninguém queria sair de Glasgow sem um acordo. Mesmo que todos reconhecessem que ninguém saía completamente satisfeito, e que o que se alcançara era um compromisso que permitia manter o mundo ainda com a expectativa de limitar o aumento da temperatura a 1,5 graus, dependendo do que acontecerá a seguir.
O Pacto Climático de Glasgow reconhece a importância da ciência, da natureza, dos povos indígenas, de aumentar o financiamento para a acção climática, com particular incidência para a adaptação, e de acelerar as metas de cortes de emissões dos países, previstas nas suas contribuições nacionais voluntárias (NDC) e que deverão ser, na generalidade, revistas já no próximo ano. E também inclui um parágrafo que sustenta a necessidade de acabar com os combustíveis fósseis, no qual se reconhece que “limitar o aquecimento global a 1,5 graus requer reduções rápidas, profundas e sustentadas nas emissões globais de gases com efeito de estufa, incluindo uma redução de 45% das emissões de dióxido de carbono até 2030, comparando com os níveis de 2010, e da neutralidade carbónica até meio do século, bem como reduções profundas noutros gases com efeito de estufa.”
E já depois de aprovar todos os textos da COP26 — incluindo o Artigo 6.º, sobre os mercados de carbono, fechando assim a regulamentação do Acordo de Paris —, também Alok Sharma reforçou a ideia que é preciso agir, reforçando a aposta “na energia limpa” e “diminuindo o sujo carvão”, citando, mais uma vez o discurso do início da cimeira da primeira-ministra de Barbados, Mia Mottley, que lembrou os líderes presentes que o aumento de temperatura de 2 graus “era uma sentença de morte para o seu país”.
Ao longo do dia, houve muitas críticas aos poucos avanços ao apoio no âmbito das perdas e danos, mas os países que mais precisam dessa ajuda — os mais pobres e mais directamente afectados por catástrofes decorrentes das alterações climáticas —, acabaram por aceitar o mal menor do que está previsto no pacto, em nome do compromisso e da confiança de que haverá desenvolvimentos concretos sobre apoio financeiro nesta matéria.
No pacto define-se que a Rede de Santiago, que deverá operacionalizar as perdas e danos, será “dotada de fundos para apoiar a assistência técnica à implementação de abordagens relevantes para impedir, minimizar e responder às perdas” e é estabelecido um grupo, denominado Diálogo de Glasgow entre as Partes, que envolva “as partes, organizações relevantes e stakeholders para discutir os procedimentos necessários para financiar actividades que impeçam, minimizem e respondam às perdas e danos associadas com os impactos das alterações climáticas”.
Enquanto ainda se votavam documentos no plenário, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, divulgou um comunicado em que salvaguarda os aspectos positivos conseguidos, que considera “insuficientes”, mas avisa que ainda se está “a bater à porta da catástrofe climática” e que é tempo de entrar “em modo de emergência”. Para isso, é preciso acabar com o carvão e os subsídios aos combustíveis fósseis e colocar um preço no carvão, sublinha. “O nosso frágil planeta está preso por um fio.”
Também as três organizações portuguesas presentes na cimeira — Oikos, FEC e Zero — dizem que “houve avanços, mas insuficientes” e consideram “desastrosa” a reviravolta sobre o carvão. “No final, a emenda proposta pela Índia de considerar a redução do uso de carvão ao contrário da sua eliminação é lamentável e mostra a enorme dependência de muitos países deste combustível fóssil em particular que é um elemento fundamental da descarbonização global”, consideram, em comunicado conjunto.
Tal como várias das suas congéneres internacionais, as organizações não-governamentais consideram que os resultados de Glasgow ficam “bem aquém de assegurar uma trajectória que garantisse um aquecimento não superior a 1,5°C em relação à era pré-industrial”. Contudo, acreditam que o que se conseguiu em Glasgow “não deixa de ser uma base importante para progressos futuros”, voltando as expectativas para a COP do próximo ano, que deve realizar-se em Sharm el-Sheikh, no Egipto.