O aquecimento global e a saúde

Os médicos e os profissionais de saúde em geral, como defensores dos doentes e como cidadãos, têm a obrigação de intervir publicamente no sentido da reversão desta ameaça.

O 6.ºRelatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC) é, segundo a declaração do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterrres, “um código vermelho para a humanidade”. As previsões sobre as consequências do aquecimento global são assustadoras: em comparação com 1850–1900, é provável que o aumento da temperatura global da superfície da terra, entre 2081–2100, seja entre 2,1 ° C a 3,5 ° C no cenário intermédio de emissão de gases com efeito de estufa e entre 3,3 ° C a 5,7 ° C no cenário mais alto de emissões. A agravar o problema do aquecimento global juntam-se outros como a sobrepopulação, a degradação ambiental e a deplecção de recursos naturais. A COP26, a decorrer em Glasgow, afigura-se como a última oportunidade para conseguir um acordo para uma redução global de 50% das emissões destes gases nestes dez anos, número estimado para conseguir limitar para 1,5º este aumento, mas as expectativas são muito fracas. O perigo que enfrentamos é tão só o da extinção da espécie humana.

Todas estas mudanças já estão a afectar de forma brutal a saúde das populações. A OMS estima que a mudança climática já está a custar 150.000 vidas anualmente. Atualmente, 92% da população já vive em áreas que ultrapassam o limite máximo de ozono definido pela OMS. A desflorestação e as mudanças climáticas contribuíram para o surgimento da pandemia SARS CoV-2 e aumentam o risco de outras pandemias de zoonoses. As consequências diretas das temperaturas extremas, da poluição, do aumento dos alergénios, repercutem-se na saúde das pessoas, particularmente as mais vulneráveis. As doenças relacionadas com a qualidade da água e as consequências da sua escassez de água, assim como a escassez de alimentos estão já abater-se sobre os povos, de forma brutal, em certas áreas do globo. A degradação do meio ambiente e dos ecossistemas está a acentuar os movimentos migratórios, os conflitos e as doenças mentais e os desastres naturais causarão muitas mais mortes violentas.

A reversão desta ameaça ainda parece possível, mas depende das decisões de cada país, de cada organização e de cada pessoa nos próximos anos.

Nós, médicos, e os profissionais de saúde em geral, como defensores dos doentes e como cidadãos, temos a obrigação de intervir publicamente nesta causa. A Organização Mundial da Saúde e várias sociedades científicas de outros países já o fizeram. A Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, em 2017, foi a primeira sociedade científica em Portugal a posicionar-se publicamente e a fazer recomendações nesta matéria.

Urge que nos comprometamos na defesa da intensificação das medidas com impacto na redução das emissões de gases com efeito de estufa, a nível nacional e a todos os níveis de responsabilidade da sociedade, na defesa de uma ética ambiental e na necessidade de o setor da saúde adoptar medidas que o tornem um exemplo de compromisso com a proteção do meio ambiente. Temos que ser agentes ativos na defesa de práticas sustentáveis ​ e educadores da comunidade sobre os riscos para a saúde das mudanças climáticas e da degradação ambiental. Cada profissional de saúde deve assumir, a nível individual, comportamentos com menor pegada ecológica.

Esta é uma luta contra a lógica económica do lucro a qualquer preço, a luta mais difícil que a humanidade enfrenta e na qual não podemos optar pela neutralidade, pelos nossos doentes, por nós e pelos nossos filhos.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção
Comentar