PCP justifica-se aos militantes: “Não há orçamento porque o PS quer uma maioria absoluta”
Comunistas ensaiam discurso contra a estratégia de António Costa de se vitimizar por causa do chumbo do OE2022.
Foi a primeira vez que Jerónimo de Sousa foi para a rua depois de se levantar no Parlamento para votar contra o Orçamento do Estado para 2022 e ajudar a chumbá-lo. E nesta quinta-feira ao fim da tarde, em Évora, o secretário-geral do PCP já começou a justificar-se perante os seus militantes: argumentou que o orçamento não respondia sequer aos “problemas mais prementes”, que não incluía as propostas do PCP – as quais “não transportam nem a crise nem a instabilidade”, e responsabilizou o PS que, vincou, quer ir para eleições para ter maioria absoluta e “poder livremente manter os seus compromissos com o défice e o grande capital”.
O líder comunista empurrou para Marcelo Rebelo de Sousa e para António Costa as responsabilidades pela crise política, e salientou que o PCP não pretende eleições. E lembrou que Costa, no encerramento do debate do orçamento “pediu uma maioria estável e duradoura para o PS”. “Afinal o que o PS quer é uma maioria absoluta”, afirmou Jerónimo de Sousa.
“Não há Orçamento porque o PS quer uma maioria absoluta para, sem condicionamentos, não responder aos problemas do País e poder livremente manter os seus compromissos com o défice e o grande capital em prejuízo do que interessa aos trabalhadores e ao povo. Mostra-se assim que não há Orçamento porque o PS não quis!” Por isso é que o Executivo recusou respostas e soluções, vincou o secretário-geral do PCP.
Jerónimo de Sousa procurou também desmontar diversas acusações do Governo e dos socialistas que serão usadas nos próximos três meses como arma de arremesso eleitoral. “Haverá quem possa questionar-se, legitimamente, sobre o nosso voto contra a proposta do Governo. Perguntam-nos sobre se não era melhor deixar passar este orçamento para evitar uma crise política”, afirmou Jerónimo de Sousa. Que logo justificou: “A questão central que presidiu à nossa intervenção foi a de saber se as opções do Governo, no Orçamento e para lá dele, dão as respostas que os problemas do país exigem, ou se, pelo contrário, permitirão que eles se agravem.”
Nem o aumento do salário mínimo nacional, nem a revogação da caducidade da contratação colectiva nem as medidas para defender o SNS podem provocar uma crise política, defendeu o líder comunista. “Não, camaradas. As propostas do PCP não transportam nem a crise, nem a instabilidade. As propostas do PCP correspondem, isso sim, às aspirações do povo e a ausência de resposta é que traz crise e instabilidade para casa de cada um.”
Sobre a acusação de que, tal como fez em 2011 ao ajudar a chumbar o PEC IV, o PCP abriu agora a porta à direita ao fazer o mesmo ao OE2022, Jerónimo de Sousa defendeu-se: “Quem escancara as portas à direita, quem lhe estende a passadeira vermelha é quem não quer dar respostas aos problemas com que o povo está confrontado.”
E os exemplos apontados foram muitos: não se aumentam os salários (ou se aumenta apenas 0,9% na função pública) e pensões quando se prevê um crescimento económico de 5,5%, continuam as listas de espera para consultas, exames ou cirurgias no SNS, os combustíveis não param de aumentar, não se revê a legislação das rendas, ainda há alunos sem professores.
Jerónimo também recusa a ideia de que o PCP exigiu demais no OE2022 e que quis “dar tudo a todos”. “Não. Não nos aproximámos sequer da política patriótica e de esquerda que daria a resposta que faz falta ao país. O que o PCP propôs ao Governo não foi dar tudo a todos. Foi responder aos problemas mais prementes.”
E vincou: “Nós fizemos o que nos competia, honrámos o património de intervenção e luta em defesa dos trabalhadores e do nosso povo. O país só não tem orçamento porque o PS não quis.” Porque não quis “desamarrar o país das limitações” da UE, nem afrontar o grande capital nem o aumento dos salários, nem assegurar a todos o direito a uma vida mais digna, foi enumerando o dirigente comunista.
Mas os ataques não estavam só reservados para António Costa. Jerónimo de Sousa também não poupou Marcelo, a quem acusou de, esse sim, criar “instabilidade” política. “Não desejamos eleições, nem elas são inevitáveis. Porque nada obriga a que da rejeição do orçamento do Estado resulte a necessidade de dissolução da AR e de convocação de eleições.” Mas se for para haver, “então que venham rapidamente”, pede o PCP, em vez de “favorecer estratégias” estranhas, numa referência ao PSD, que está em processo eleitoral interno.
Para os comunistas, o Governo continua em plenas funções e tem que “dar execução plena” ao Orçamento do Estado do corrente ano, decidir sobre as questões que estão para lá do orçamento como os salários, os direitos dos trabalhadores e os preços da energia, e pode entrar em 2022 “com gestão em duodécimos”, como aconteceu em 2020 e em 2016 devido às legislativas do ano anterior. E pode fazê-lo respondendo aos problemas. É uma questão de vontade e opção do Governo”, desafiou.