“Temos um problema de organização” no SNS, diz Marta Temido
Em entrevista ao Telejornal, na RTP, a ministra da Saúde esclareceu algumas questões sobre o novo estatuto do SNS, aprovado nesta quinta-feira em Conselho de Ministros e que segue para audições e consulta pública, que o Governo pretende que entre em vigor em simultâneo com o Orçamento do Estado para 2022.
A ministra da Saúde admitiu, nesta quinta-feira, que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem um “problema de organização”. Em entrevista ao Telejornal, na RTP, Marta Temido esclareceu algumas questões sobre o novo Estatuto do SNS, aprovado nesta quinta-feira em Conselho de Ministros e que segue para audições e consulta pública, que o Governo pretende que entre em vigor em simultâneo com o Orçamento do Estado para 2022.
Questionada sobre o facto de alguns hospitais estarem no limite e em situações de ruptura — o que já levou, por exemplo, à demissão em bloco de 87 médicos do Hospital de Setúbal —, Marta Temido explicou que “o SNS, como todos os serviços de saúde, tiveram uma pressão extraordinária ao longo dos últimos quase dois anos”. “Mas os problemas não são novos, muitos deles são problemas que têm um lastro considerável”, admitiu.
Por outro lado, a ministra da Saúde garantiu que esta “não é uma questão de meios”, destacando as verbas destinadas ao SNS e que, desde 2015, foram contratados mais 29.000 profissionais de saúde, dos quais 5300 médicos e 11.000 enfermeiros.
“Temos um problema de organização. Em contexto de pandemia, um conjunto de reformas que estavam associadas à Nova Lei de Bases da Saúde e ao Programa do Governo não puderam ser realizadas”, afirmou.
Marta Temido destacou ainda que o Governo tem trabalhado no novo estatuto do SNS “ao longo dos últimos meses, com muitas outras coisas também em cima da mesa”. “Consideramos que este era o momento possível para dar aqui um novo impulso porque esperamos, apesar de não estarmos ainda totalmente livres da pandemia, que os próximos meses sejam mais tranquilos”, acrescentou.
Em relação à autonomia dos hospitais para contratar pessoal, a ministra da Saúde referiu que se trata do “regresso a um regime que já existiu e que por circunstâncias várias deixou de estar a funcionar nos últimos anos e que passará a permitir que quer os hospitais quer as administrações regionais de saúde possam fazer contratações com autonomia”. “No caso dos hospitais para todo o tipo de contratos, no caso das administrações regionais de saúde para contratos de substituição de profissionais temporariamente ausentes”, disse.
Marta Temido esclareceu que as instituições passam a poder contratar directamente os profissionais “que não os integrados na carreira médica”, “obviamente seguindo os princípios gerais da transparência, da organização de concursos, da organização de reservas de recrutamento”.
Já a contratação de médicos continua a decorrer através de “dois concursos centralizados anualmente”. “Em todas as outras áreas profissionais, essa autonomia é recuperada e é estendida para as administrações regionais de saúde para os casos de substituições temporárias”, explicou.
Relativamente à criação de uma direcção executiva para coordenar a assistência de saúde, a ministra esclareceu que “aquilo que se pretende é que a direcção executiva tenha funções mais operacionais”. “O Ministério da Saúde tem uma responsabilidade política específica sobre o SNS, até porque o SNS é o garante do direito à protecção da saúde nos termos constitucionalmente consagrados. Mas o Ministério da Saúde tem de ter uma preocupação sistémica, não pode substituir-se a uma coordenação executiva e operacional que, no caso do nosso sistema, não estava atribuída a uma entidade”, explicou, destacando que outros modelos, como, por exemplo, o inglês, têm já essa direcção executiva.
“Uma das lições que a pandemia nos trouxe foi que há necessidade de melhorar essa articulação entre hospitais, cuidados de saúde primários, entre as várias regiões, com os cuidados continuados, com os cuidados domiciliários. E, portanto, esta estrutura não é mais uma camada de direcção, é uma estrutura diferente que se pretende ágil e pouco complexa que vai, sobretudo, utilizar estruturas preexistentes, mas ter uma função específica: coordenação e integração de cuidados”, acrescentou.
Em relação ao regime de dedicação plena dos médicos do SNS, Marta Temido sublinhou que “não é obrigatório a não ser para novos médicos” e para “os médicos em funções de direcção de serviço e departamento que venham a ser nomeados para essa função”. “Para os restantes, é facultativo e depende da aceitação de uma carta de compromisso assistencial”, disse, destacando que o objectivo é criar “incentivos à produtividade”.
“Tem de haver uma negociação de uma carta de compromisso assistencial entre os médicos que adiram voluntariamente e a instituição para a qual trabalham que atenda a metas de acesso, de qualidade e de sustentabilidade e que terá como contrapartida uma valorização remuneratória para aquele concreto profissional. No caso das direcções de serviço, este compromisso não se cinge em actividade assistencial — são funções de organização e essa dedicação plena e obrigatória será para as novas direcções”, notou.
Sobre o aumento salarial para os médicos, será um valor que o Governo irá agora “discutir com as estruturas sindicais”. “Temos uma ideia porque tudo isto, no fundo, tem um enquadramento na proposta do Orçamento do Estado que foi apresentada à Assembleia da República, mas vamos trabalhar com as estruturas sindicais para três aspectos: em primeiro lugar, o valor deste acréscimo da remuneração-base; por outro lado, a majoração das horas trabalhadas se forem incorporadas”, disse. A ministra explicou também que, “para as direcções de serviço, a incompatibilidade decorrente da dedicação plena é não só face ao exercício de funções de direcção ou chefia em entidades do sector privado ou social, mas também na limitação daquilo que as pessoas podem acumular de actividade assistencial fora do SNS”.
A pandemia também não escapou à conversa, com Marta Temido a destacar que Portugal regista, neste momento, uma incidência da covid-19 a 14 dias de 85 casos por cem mil habitantes e que a média europeia é de 190. “Há países que estão acima de mil e há três ou quatro países que estão abaixo de Portugal. Aquilo que estamos todos a constatar é que vamos entrar numa fase em que o vírus se vai tender a propagar mais pelas suas próprias características: mais espaços fechados, condições climáticas menos favoráveis ao arejamento”, disse, destacando que “há algumas situações mais extremas” devido a “baixas taxas de vacinação”.
“Este tipo de vírus tem maior propensão para a sua disseminação em temperaturas baixas e em determinadas condições”, sublinhou. Para combater essa propagação, o Governo vai “reforçar as campanhas de comunicação para a necessidade de medidas de protecção não farmacológicas”.
Nesta segunda-feira, deu-se também início à vacinação em co-administração da vacina da gripe e da terceira dose da vacina da covid-19 para os maiores de 65 anos. Mas há uma ressalva: “Só vamos conseguir intensificar esse processo em Novembro. Os prazos de entrega da vacina da gripe atiram-nos mais para essa data e a co-administração para ser eficiente coloca-nos nessa data. Temos de ser muito cautelosos.”
“Sabemos que estamos vacinados e mais bem preparados para enfrentar o Outono e o Inverno que aí vem, mas não estamos ainda livres da pandemia. Pensar isso é um erro”, alertou Marta Temido. “A intenção é proteger antes do período de maior exposição, que é naturalmente o Inverno e a época das festas”, concluiu.