Nova análise mostra que 85% da população mundial já foi exposta às alterações climáticas

Através da utilização de machine learning, uma equipa de cientistas conseguiu sintetizar o conteúdo de mais de 100 mil estudos sobre as mudanças da temperatura e dos padrões de precipitação relacionadas com a acção humana desde os anos 50 do século XX.

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As alterações climáticas de origem humana já tiveram impacto em pelo menos 80% da área terrestre do mundo Stephane Mahe/Reuters

Uma nova análise a mais de 100 mil artigos científicos mostra que as alterações climáticas de origem humana já tiveram impacto em 80% da área terrestre do mundo, o que afectou 85% da população do planeta. A investigação abrange dados entre 1951 e 2018, mas a equipa considera que a mesma percentagem de população no mundo deverá continuar a ser afectada pelas alterações climáticas antropogénicas. Os resultados são apresentados esta segunda-feira na revista científica Nature Climate Change.

Neste trabalho, uma equipa internacional liderada por Max Callaghan (do Instituto de Investigação Mercator dos Recursos Globais e Alterações Climáticas, na Alemanha) analisou os impactos observáveis das alterações climáticas. E o investigador diz ao PÚBLICO que os resultados foram bem reveladores: “Vimos que os impactos das alterações climáticas causadas pelos humanos podem ser observados em quase todo o mundo”.

Para chegar a esse resultado, a equipa utilizou uma abordagem de machine learning (aprendizagem automática) para sintetizar o conteúdo de mais de 100 mil estudos com modelos e dados observáveis sobre as mudanças da temperatura e da precipitação relacionadas com a acção humana. Para a temperatura, consideraram-se dados entre 1951 e 2018. Já para a precipitação, as informações pertenciam aos anos de 1951 a 2016. Assim, obteve-se um retrato global e abrangente das alterações climáticas antropogénicas.

A análise revela que 85% da população mundial – que cobre 80% da superfície terrestre do planeta – já foi exposta aos impactos das alterações climáticas de origem humana, refere-se no artigo científico. E estas percentagens dizem apenas respeito à população que já esteve exposta ou continua ainda a ser afectada? “Aqui referimo-nos [à população] que já foi afectada, visto que analisámos tendências na temperatura de 1951 a 2018 e na precipitação de 1951 a 2016”, responde o investigador. “Em princípio, aquilo que se espera é que [a população] continue a viver com essas mudanças.”

Contudo, identificou-se uma “lacuna”: há falta de artigos científicos e de dados em países de baixos rendimentos, o que torna mais difícil compreender os impactos do clima nessas áreas. As provas robustas sobre os impactos das alterações climáticas são duas vezes mais predominantes nos países com elevados rendimentos. Verificou-se que a maior falha a nível de informações nos impactos das alterações climáticas antropogénicas é em África, o que poderá ter consequências na elaboração de planos de acção ou em acesso a financiamentos.

Por enquanto, a equipa ainda não disponibilizou dados específicos e acessíveis para todos os países, nomeadamente para Portugal. “Iremos trabalhar para disponibilizar informações de forma mais acessível, mas isso ainda levará algum tempo”, informa Max Callaghan, referindo que, por agora, apenas está disponível o artigo científico e uma versão interactiva de gráficos analisados com os dados sobre os países.

Mesmo assim, o cientista destaca que, tal como noutros locais na Europa e numa grande maioria do mundo, Portugal ficou mais quente entre 1951 e 2018. Essa tendência no aquecimento não está dentro da escala da variabilidade natural – o que quer dizer que há um impacto das alterações climáticas antropogénicas. “Há muitos estudos que documentam os impactos das alterações climáticas em Portugal, tal como em grande parte da Europa”, indica o investigador.

“As alterações climáticas no mundo têm vindo a ser bem observadas ao nível da subida das temperaturas e de mudanças nos padrões de precipitação. Embora não estejam distribuídas uniformemente, há cada vez mais provas de como essas tendências estão a afectar os humanos e os sistemas naturais”, nota Max Callaghan sobre os resultados do trabalho. E faz um alerta: “Nos países de baixos rendimentos, muitas pessoas vivem em áreas onde podemos dizer que as tendências de aquecimento se devem à influência humana, mas há poucos estudos científicos que documentam os efeitos dessas tendências nos sistemas naturais e humanos. Isto é um ‘ponto cego’ no nosso conhecimento das alterações climáticas.”

Para o investigador, os resultados podem começar a ser usados para orientar acções contra o aquecimento global, bem como para avaliações de riscos regionais e locais ou planos para a adaptação climática.

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