Para onde vão os apoios públicos à agricultura biológica?
Mais de metade da totalidade da despesa pública da PAC depende exclusivamente da área declarada e localizam-se a sul do Tejo. É tempo de acabar com esta vergonha.
Há uma “bazuca” de 10 mil milhões de euros em dinheiros públicos que está a ser decidida pelo Ministério da Agricultura, de forma obscura e nas costas do sistema democrático. Trata-se da transposição da nova Política Agrícola Comum (PAC), que vigorará até 2027. O Governo tem de apresentar à Comissão Europeia o Plano Estratégico da PAC até ao final do ano e a consulta pública do mesmo foi anunciada para Julho, mas até ao momento o Governo ainda não deu a conhecer a sua proposta e recusa tornar públicos os trabalhos já realizados que são determinantes para definir onde aplicar o dinheiro.
Em protesto contra a falta de transparência e exigindo a promoção da participação cívica no planeamento da nova PAC em Portugal, surgiu uma coligação de várias organizações sectoriais e muitos especialistas que lutam por uma mudança no rumo habitual dos subsídios da PAC.
A aplicação dos fundos da nova PAC inicia já em 2021, num período de transição que se estende até 2023, ano em que inicia a aplicação das novas regras. O Governo anunciou já que o pagamento dos Pedidos Únicos ocorrerá até ao final do mês de Outubro. Entre vários sinais preocupantes, consta a transferência de centenas de milhar de hectares de terras não cultivadas da medida agroambiental Produção Integrada para a Agricultura Biológica, conforme se verifica no gráfico do IFAP que se encontra abaixo.
Por que motivo esta situação é preocupante?
Em 2014, o Governo de Passos Coelho e Assunção Cristas permitiu que mais de 600 mil hectares de terras não cultivadas, pastagens pobres localizadas a sul do Tejo, se candidatassem à medida Produção Integrada através do Pedido Único. O Governo aprovou as candidaturas e com isso esgotou o dinheiro desta medida agroambiental e gerou um overbooking de 250 milhões de euros que lesaram o erário público. Os beneficiários em causa passaram a auferir uma renda que depende exclusivamente da área declarada, sem obrigatoriedade de produção de alimentos ou serviços ambientais.
Este dinheiro devia ter sido utilizado para aplicar em áreas cultivadas, apoiando os agricultores a mudar as suas práticas agrícolas. Perdeu-se o dinheiro público e perdeu-se a oportunidade de melhorar a agricultura nacional.
Neste novo quadro comunitário, em resposta às alterações climáticas, prevêem-se verbas mais avultadas destinadas à promoção da agricultura biológica e por isso, os proprietários rentistas que sabotaram a medida Produção Integrada, candidataram-se agora à agricultura biológica. O Bloco de Esquerda já questionou directamente a ministra da Agricultura se vai permitir que esta história se repita, mas não obteve resposta. De salientar que a maioria da área subsidiada no passado com os fundos da agricultura biológica já eram pastagens que nunca foram obrigadas a produzir carne biológica.
Em cada mudança de quadro comunitário, os Governos sempre responderam ao interesse instalado dos grandes proprietários do sul, criando medidas ajustadas e deturpando outras de forma a que estes mantenham a sua renda fundiária. Estas rendas lesam o interesse público e, à entrada da década decisiva para responder às alterações climáticas, este assalto é especialmente danoso. Quatro em cada dez explorações agrícolas do país não recebem qualquer subsídio da PAC e entre os beneficiados há 2% que capturam um terço das ajudas. Mais de metade da totalidade da despesa pública da PAC depende exclusivamente da área declarada e localizam-se a sul do Tejo. É tempo de acabar com esta vergonha.