O tempo dos tribunais e o tempo das crianças

Na perspetiva da criança, o “desaparecimento” do pai durante 50 dias pode facilmente ser interpretado como abandono e potenciar sentimentos de rejeição.

Num processo judicial que acompanho, o pai foi acusado de abuso sexual de uma menina de três anos.

Após um longo e doloroso processo criminal, e de prolongado afastamento entre pai e filha, ficou demonstrado que tudo não passou de uma mentira (intencional) da mãe, apostada em quebrar a relação entre o progenitor e a criança.

O processo criminal foi arquivado e as perícias do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses concluíram que a menina terá sido manipulada pela mãe e que não existem quaisquer indicadores da ocorrência de um abuso sexual.

Uma vez desmascarada a mentira, seria curial que a mãe da menina deixasse de obstaculizar a relação entre o pai e a filha. Não foi assim, porém. A mãe continuou a dificultar ou a impedir os convívios entre pai e filha, que se realizam numa IPSS, faltando sob os mais variados pretextos. O tribunal foi mesmo forçado a emitir mandados para que a menina e a mãe fossem conduzidas, sob custódia da polícia à instituição para que a visita ao pai pudesse realizar-se.

Constatando que as acusações eram falsas e que, além do mais, a postura da progenitora não iria sofrer alteração – e, portanto, que esta mãe jamais iria permitir que a menina estabelecesse uma relação de proximidade com o pai – as equipas técnicas de assessoria ao tribunal recomendaram ao juiz, em meados de agosto, que entregasse a menina ao pai.

O tribunal nada decidiu – afinal de contas, estávamos em Agosto - e a equipa de apoio ao tribunal voltou a recomendar ao juiz, no início de setembro, que se fizesse a entrega da criança ao pai. Entretanto, o progenitor não mais viu ou falou com a menina, pois a mãe não o permite e o tribunal nada fixou.

Um mês e meio após a primeira recomendação da equipa técnica ao tribunal, realizou-se uma conferência de pais. Esperançado, o pai compareceu em tribunal animado da certeza que, em face da opinião unânime dos técnicos e peritos, e tendo em conta que já se havia passado um mês e meio sobre as últimas visitas à menina, se registaria uma alteração e, finalmente, poderia estar com a sua filha.

Não foi assim. Afinal, o tribunal não iria tomar naquele dia qualquer providência sobre a entrega da menina ao pai ou sequer sobre os contactos entre ambos. O propósito da conferência de pais era antes apurar por que motivo não pagou ele metade das mensalidades da creche que a menina frequentou durante o ano letivo findo (!) Creche onde a mãe a colocou, refira-se, à revelia e contra a vontade do pai! E nisto se passou uma hora ou mais do precioso tempo de juízes, procuradores, advogados e partes… a discutir uma pretensa dívida de poucas centenas de euros.

A decisão pela qual o pai anseia e de que a menina necessita ficará para mais tarde.

Neste contexto, importa sublinhar que o tempo dos tribunais é um, o dos adultos é outro e o de uma criança de 3 anos, outro ainda. Na perspetiva da criança, o “desaparecimento” do pai durante 50 dias pode facilmente potenciar sentimentos de rejeição e abandono. E, à medida que o tempo passa, estes sentimentos tendem a acentuar-se, com impacto negativo no bem-estar da criança e na relação afetiva com o pai. O prognóstico piora com a passagem do tempo. É, por isso, urgente todos nós, nos tribunais de família, começarmos a funcionar no tempo das crianças.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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