De Fátima Felgueiras a Vale e Azevedo: as fugas de arguidos à Justiça portuguesa
O ex-presidente do Banco Privado Português é mais um na lista de portugueses que fugiram do país para evitar cumprir pena de prisão.
João Rendeiro fugiu para fora da Europa para escapar à pena de prisão de três anos e seis meses a que foi condenado nesta terça-feira (a última de três condenações que acumulam 19 anos e dois meses de prisão efectiva). A fuga, que o próprio descreveu como um “acto de legítima defesa contra uma Justiça injusta”, não é a primeira registada em Portugal – e os argumentos utilizados por outros fugitivos também foram semelhantes aos do ex-presidente do Banco Privado Português (BPP).
Pedro Caldeira
O então corretor de bolsa português foi protagonista de um escândalo bolsista no final dos anos 80 e início da década de 90. Fugiu em 1992 para os Estados Unidos, deixando em Portugal uma dívida de mais de 12,5 milhões de euros em nome da sua corretora.
A dívida resultou de decisões irregulares tomadas antes e depois do crash bolsista dos anos 80 que lesaram a sociedade de corretagem que presidia e que tinha o seu nome, acabando por prejudicar cerca de uma dezena de trabalhadores e o Estado, que se constituíram como credores da massa falida.
Pedro Caldeira foi detido pelo FBI num hotel em Atlanta, estado da Geórgia, nove meses depois da fuga, em Março de 1993, onde se encontrava com a mulher e os dois filhos. Foi extraditado para Portugal, e acabaria por ser absolvido de todos os crimes (17 de abuso de confiança e 65 de burla agravado) em 2000. A absolvição foi confirmada em 2005 pelo Tribunal da Relação de Lisboa, começando a partir daí a pagar a dívida.
Padre Frederico
Frederico Cunha foi acusado em 1992 de abuso sexual e da morte de Luís Miguel, de 15 anos, na Madeira. A sentença foi transmitida em directo nas televisões portuguesas: foi condenado no Funchal a 13 anos de prisão e a pagar uma indemnização de oito mil euros aos pais do jovem, algo que nunca cumpriu. Tão pouco cumpriu a pena de prisão: em 1998 aproveitou uma saída precária e escapou para o Brasil, onde se instalou no Rio de Janeiro.
Dias depois deu uma entrevista ao Diário de Notícias, falando várias vezes para meios de comunicação portugueses ao longo dos anos, desde então. O Estado deixou de perseguir judicialmente o padre, o primeiro a ser condenado em Portugal por abuso sexual.
Fátima Felgueiras
A presidente da Câmara de Felgueiras foi acusada em 2003 de corrupção e financiamento ilegal da secção local do PS. O caso datava de 2000, quando dois ex-colaboradores da autarca entregaram provas da existência de um alegado “saco azul” através do qual Fátima Felgueiras angariou um milhão de euros para actividades do PS de Felgueiras.
A 5 de Maio de 2003, terá sabido com antecedência que o Tribunal da Relação de Guimarães ia ordenar a sua prisão preventiva. Fugiu então para Espanha, e nesse mesmo dia apanhou um voo para o Brasil, onde ficou a viver até regressar a Portugal em 2005. Mal regressou ao país anunciou a recandidatura à Câmara de Felgueiras como candidata independente.
Em 2008 foi condenada a três anos e três meses de prisão com pena suspensa por três dos 23 crimes de que era acusada, recorrendo da decisão. Acabou por ser absolvida de todas as acusações no âmbito do processo “saco azul” a 1 de Julho de 2011, com o veredicto a ser confirmado pelo Tribunal da Relação de Guimarães em Maio de 2012.
Vale e Azevedo
Quatro meses depois de perder as eleições para um segundo mandato na presidência do Benfica, João Vale e Azevedo foi detido pela primeira vez, em Fevereiro de 2001. Desde então, seguiram-se vários processos judiciais contra o antigo advogado, sendo condenado a um cúmulo jurídico de 11 anos e meio de prisão, entre vários processos: Ovchinnikov e Euroárea (quatro anos e meio em Abril de 2002, cumprindo três e meio), Dantas da Cunha e Ribafria. Pelo meio, foi libertado a 19 de Fevereiro, mas apenas por 14 segundos: a PJ esperava-o à porta do estabelecimento prisional com um novo mandado de detenção.
Na sequência das penas de prisão a que foi condenado pela burla a Dantas da Cunha, em 2006, e a dois empresários no processo Ribafria, em 2007, Vale e Azevedo apresentou cauções falsas de 1,3 milhões de euros e aproveitou a liberdade para ir viver para Inglaterra. Foi emitida ordem de prisão em 2008, mas o pedido de extradição foi recusado pelas autoridades britânicas.
Acabou por se entregar em 2012 para cumprir a pena, sendo libertado em Junho de 2016. Voltou a ser condenado, desta vez a mais dez anos de prisão, sentença da qual recorreu. Enquanto esperava pela decisão, voltou a viajar para Londres, onde reside desde 2018 e continua a fintar a Justiça para não ir a julgamento.