Provedora da Justiça: “Há demasiados” imigrantes que não se regularizam “por deficiência” do sistema

Provedora de Justiça fala numa conferência organizada pela Inspecção-Geral da Administração Interna. Presidente de Supremo Tribunal Administrativo revela aumento de processos de pedidos de asilo e sugere criação de juízo especializado.

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LUSA/Inácio Rosa

As leis são boas, o problema é a sua aplicação — e no que diz respeito aos imigrantes essa é uma realidade. Esta foi a mensagem da intervenção da Provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, na manhã desta segunda-feira num hotel em Lisboa, no âmbito da conferência Retornos Forçados e Direitos Humanos, organizada pela Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI).

“Do ponto de vista legislativo temos tomado a opção correcta”, mas é nos processos administrativos pendentes, na execução da lei, que “temos de enfrentar as nossas fragilidades”, disse. É, aliás, “dever comum supri-las”, porque “estas fragilidades têm repercussões na vida de quem se encontra em má condição”, defendeu. “E não vejo pior condição do que a do estrangeiro que se encontra em terra inóspita”.

A provedoria de Justiça recebe esta imagem, disse Maria Lúcia Amaral com veemência na voz numa sala em que esteve o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, na plateia: “Há demasiadas pessoas que chegam a território nacional e tardam — muitas vezes por mais de dois anos — em conseguir ver regularizada a sua situação por deficiência dos procedimentos administrativos pendentes. Enquanto este tardar permanecer estas pessoas são colocadas num limbo perigoso, à mercê de todas as indústrias maldosas que uma situação trágica como esta infelizmente favorece e que nós sabemos que existe. Não há política pública se não enfrentamos este problema que enquanto comunidade nacional nos convoca.” 

Maria Lúcia Amaral deu como exemplo de boa prática a regularização temporária dos imigrantes com processos pendentes no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) em Março de 2020 por causa da pandemia.

Os atrasos na concessão de autorização de residência têm sido uma crítica constante ao SEF, por imigrantes e associações que os representam. Há quem fique quatro anos à espera.

Na conferência participaram várias entidades públicas. A abertura foi feita por Eduardo Cabrita, e de manhã esteve presencialmente fechada aos jornalistas embora estivesse a ser transmitida por vídeo na Internet (à tarde a entrada já foi permitida). O tópico principal são os retornos forçados, mas foram vários os temas em discussão. 

Juízo especializado

Já Dulce Neto, presidente do Supremo Tribunal Administrativo, defendeu que deveria ser pensada a criação de um juízo especializado nos pedidos de asilo, como existe em França. Isto porque os números de processos que entram em tribunal por causa de pedidos de asilo, do estatuto de refugiado ou de protecção internacional tem aumentado nos últimos anos, com Lisboa a dominar: foram 381 em 2018, dos quais 352 em Lisboa; 529 em 2019, dos quais 488 em Lisboa, 525 em 2020, dos quais 464 em Lisboa; e até 13 de Setembro 206 processos, 188 em Lisboa, revelou. “Em termos de fluxo migratório pode não parecer expressivo mas para o sistema judicial é um número que congestiona o sistema, sobretudo porque se trata de processos com natureza urgente”, disse.

A magistrada referiu que este tipo de casos exige preparação e obriga “as autoridades administrativas e os operadores judiciários, designadamente os juízes, a redobrados esforços para uma ampla compreensão desta realidade e matérias nas suas várias dimensões e vertentes, em particular dos direitos fundamentais”. E acrescentou que “não é preciso fazer futurologia para saber que esse volume processual irá aumentar até na sua complexidade, dado que aos velhos problemas, que se situam sobretudo a nível da integração das comunidades migrantes e dos seus descendentes, se somam os novos problemas particularmente de migrações causadas por alterações climáticas hostis e por catástrofes naturais”.

Na sua intervenção, o ministro referiu que a migração legal é “uma prioridade” que obriga Portugal “a ser inflexível naquilo que é a gestão das fronteiras comuns europeias e o combate a fenómenos criminais que vivem da fragilidade humana extrema”. Referiu que o tráfico de seres humanos deve ser “combatido à escala nacional e articuladamente à escala europeia”, destacado o novo mandato da agência europeia de controlo de fronteiras Frontex, a “primeira força europeia com meios operacionais próprios”. E acrescentou: “Portugal que tinha há 30 anos atrás menos de 100 mil cidadãos estrangeiros, atingiu, mesmo em tempos de pandemia, cerca de 680 mil cidadãos estrangeiros residentes legalmente no final de 2020”, salientou.

Já a inspetora-geral da Administração Interna, Anabela Cabral Ferreira, destacou o apoio aos retornos forçados como área estratégica da IGAI. “Desde 2015 que a IGAI é a entidade que em Portugal monitoriza a ação dos retornos forçados. Uma área que merece crescente e permanente atenção, desde logo pela vulnerabilidade dos seres humanos que chegam a Portugal e que querem permanecerem no país”. Com Lusa

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