Era uma vez o pluralismo…
Há coisa de meio século a paisagem mediática europeia parecia libertar-se da inevitabilidade do declínio e do garrote que a sufocava…
Nos anos 1960-1970 uma lufada de ar fresco percorre a Europa dos média. No entre-duas-guerras e depois da Segunda Guerra Mundial, muitos jornais e rádios desaparecem. Por razões sobretudo económicas no caso dos jornais. Por razões técnico-legais no que se refere às segundas. Mas agora, as novas tecnologias em matéria de imprensa, de som e de vídeo abrem as portas à criação de novas publicações e novos emissores. Seja embora necessário, no caso do audiovisual, emitir ainda a partir de fora das fronteiras nacionais ou em perfeita ilegalidade no próprio país.
Quando, perante novas tecnologias que tornam inevitável a abertura do sector audiovisual ao pluralismo público-privado e à proliferação de estações privadas, a legalidade instituída passa nos anos 1970-1980 a reconhecer uma situação de facto. O sentimento geral é de entrarmos então numa era de um exuberante pluralismo de tipos de média propostos aos cidadãos como de sensibilidades que estes média representam em termos políticos, culturais, sociais…
Este sentimento é, porém, de pouca dura. E o primeiro média afetado é a imprensa: a proliferação dos emissores audiovisuais que têm necessariamente que recorrer à publicidade para conseguir sobreviver faz diminuir a parte da imprensa nas receitas publicitárias globais, quando a imprensa era tradicionalmente dominante na matéria. A chamada crise da imprensa torna-se então evidente com a diminuição do número de publicações e a redução das equipas de redação.
Constata-se em seguida que a proliferação dos emissores não implica necessariamente um real pluralismo. As receitas da taxa audiovisual (para os emissores públicos), da publicidade e das eventuais assinaturas não são de uma elasticidade sem limites. E quantos mais emissores existem, mais a parte de cada um diminui de maneira mais ou menos desequilibrada. E quando o número de emissores aumenta, mais os custos das produções crescem em consequência de uma concorrência desenfreada (nomeadamente em termos de direitos de retransmissões desportivas e de filmes).
Muitas rádios transformam-se assim em emissoras gira-discos e em infindáveis parlatórios. Como os “diretos” passam a ser cada vez mais presentes nas grelhas de programação das televisões. Provocando numas e noutras um nivelamento por baixo em matéria de informação como de programação. E esta ausência de recursos faz com que programas e jornais (rádio e televisão) se pareçam cada vez mais, pondo em xeque as expectativas de um pluralismo concreto.
O golpe fatal no pluralismo é dado pela chegada da internet como quarto média que permite as mais diversas iniciativas (como o papel, suporte de cartas, livros, jornais…). Suporte no qual se implantam e desenvolvem atores predadores (GAFA) que vão absorver a produção de outros e passar a ser recetáculos de uma publicidade mais personalizada no que diz respeito aos consumidores. Publicidade retirada aos média “tradicionais”, levados a entrar em movimentos de consolidação nomeadamente a nível nacional.
Hoje, as paisagens mediáticas nacionais tradicionais estão cada vez mais reduzidas a um número de atores limitadíssimo. Na maioria dos países da Europa ocidental, dois grupos dominam o sector dos média audiovisuais privados, reunindo estações com posicionamentos diferentes em termos de conteúdos como de públicos-alvo. E o mesmo movimento tem igualmente tendência a desenvolver-se no sector da imprensa. Enquanto jornais, rádios e televisões dominantes se implantam no sector digital, a internet passando a ser o suporte de um potencial desenvolvimento em termos de audiência, de aceso pontual a pagamento, de assinaturas e de publicidade.
Acontece também que estes grandes grupos de média (sobretudo audiovisuais) se impõem progressivamente perante o mundo político e o Estado de direito, contornando legislações e criando situações de facto. Parlamentares e governantes receiam, porém, que os média violadores da legislação em vigor passem “a pô-los no cemitério”, deixando de falar deles. Ou que façam relatos numa objetividade-enviesada de iniciativas e declarações deles, propondo assim uma imagem negativa e progressivamente detestável. Uma ausência de lucidez e coragem que nos fará viver numa ilusão de pluralismo…
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico