O segredo para limpar oceanos sempre esteve em frente ao nosso nariz — ou no topo da nossa cabeça

O cabelo pode assumir um papel fundamental na limpeza dos oceanos. É um recurso gratuito, eficaz, inesgotável e, principalmente, um excelente absorvente de gordura.

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EPA/LAURA MOROSOLI

Esta história começa num cabeleireiro do estado do Alabama, no sudeste norte-americano, em 1989. Phillip McCrory assistia a uma reportagem sobre o desastre do petroleiro Exxon Valdez, que espalhou 40 milhões de litros de crude na costa do Alasca. Ao mesmo tempo, lavava o cabelo de uma cliente e falava com os próprios botões: “Se a gordura se prende tão facilmente ao cabelo, não poderia o cabelo humano ser usado para limpar derrames de óleo?”

O salão ficava perto do Marshall Space Flight Center da NASA, onde investigadores comprovaram a teoria de Phillip, que a Agência de Protecção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) também concluiu ser verdadeira: o cabelo é um óptimo absorvente de gordura e, comprimido em placas, pode ser bastante útil para remover óleo da água – cada fio de cabelo absorve entre três a nove vezes o seu peso em óleo, tanto que são as aves e mamíferos marinhos mais peludos os mais afectados por derrames de crude.

O cabeleireiro fez várias tentativas para criar, sozinho, tapetes feitos com cabelo, e falhou. Em 1998 uniu forças com a organização sem fins lucrativos Matter of Trust e juntos lançaram o programa Clean Wave. A ideia brilhante de Phillip McCrory desencadeou um movimento em vários cantos do mundo, mas não antes de garantir a patente da invenção em Novembro de 2000.

Hoje, apenas nos Estados Unidos da América, 40 mil salões de cabeleireiro doam as madeixas cortadas à organização. São quilos de cabelo que todas as semanas seriam transportados em sacos de plástico para aterros sanitários. Ao programa Clean Wave chegam também encomendas de cabelo humano ou pêlo de animais vindas de 30 países.

A vontade de contribuir para esta iniciativa é particularmente notória em situações de desastre natural. Em 2007, os voluntários da Matter of Trust participaram na limpeza da baía de São Francisco, após o derrame de óleo do navio Cusco Busan. Quando, em 2010, a BP provocou, acidentalmente, o maior derrame de sempre, e espalhou cerca de 3,2 milhões de barris de petróleo no golfo do México, a Matter of Trust recebeu também a maior doação de cabelo desde a sua fundação. 

Se receber fios de cabelo muito longos e em bom estado, a Matter of Trust oferece-os a organizações que entregam perucas a quem perdeu cabelo em consequência do tratamento para o cancro ou de outras condições, como a The Little Princess Trust ou Hair We Share.

Em máquinas próprias para o efeito, as madeixas mais pequenas são bem comprimidas e transformadas em tapetes de cabelo, utilizados para limpar águas ou ruas poluídas. Quando colocados em sarjetas, funcionam como filtros naturais e absorvem óleo ou travam outros resíduos como beatas de cigarro. Nos lagos ou piscinas podem até embeber o protector solar que deixamos na água.

Nos Estados Unidos esta estratégia já é usada, por exemplo, no Texas e Novo México. São também enviados ou produzidos tapetes no Chile, Japão, Finlândia, Grécia, Inglaterra, França, Bélgica e Espanha. Portugal fica, ainda, fora da lista.

Um estudo de 2007 da Universidade de Tecnologia de Sydney, na Austrália, demonstrou que o cabelo humano ou o pêlo de animal funcionam tão eficazmente como outras soluções mais convencionais. “Tradicionalmente, os derrames são limpos com produtos químicos à base de petróleo e absorventes sintéticos. Não precisamos de usar mais óleo para limpar o óleo”, lê-se no site da Matter of Trust. “Quando um absorvente feito com cabelo se parte, são apenas fibras biodegradáveis, mais amigas do planeta.”

Outra vantagem é que estes tapetes podem ser lavados e reutilizados até dez vezes. “Este método impede que fibras naturais acabem em aterros, cria empregos verdes e sustentáveis e limpa os cursos de água”, defende a organização. “É uma solução da humanidade para um problema criado pela humanidade.”

Após um derrame de óleo, os tapetes, a funcionar como uma esponja, ficam saturados, e terminam em aterros sanitários ou incinerados, ainda que a lixeira não seja o destino ideal, reconhecem.

A Matter of Trust já experimentou fazer compostagem a partir de tapetes usados e teve algum sucesso em experiências com fungos, minhocas ou compostagem termofílica para tornar resíduos perigosos num composto saudável, mas esta ainda é uma solução a ser polida.

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