Reforço da vacina? Ainda é “precoce” pensar na terceira dose, dizem especialistas

Especialistas lembram que os estudos científicos têm demonstrado haver uma protecção contra a covid-19 elevada e duradoura apenas com duas doses da vacina. Zonas do globo mais desprotegidas pela vacinação podem ser “incubadoras de novas variantes”.

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Israel começou no domingo a dar terceiras doses da vacina contra a covid-19 a maiores de 60 anos EPA/ATEF SAFADI

Israel começou no domingo a administrar uma terceira dose da vacina contra a covid-19 a maiores de 60 anos. Também a Alemanha anunciou, esta segunda-feira, o reforço vacinal de pessoas idosas e imunodeprimidas, assim como o Reino Unido aos maiores de 50 anos. A questão põe-se: faz sentido o reforço com uma terceira dose da vacina contra a covid-19? Miguel Prudêncio e Miguel Castanho, ambos investigadores do Instituto de Medicina Molecular (iMM), da Faculdade de Medicina na Universidade de Lisboa, concordam que é ainda “precoce” pôr essa questão. 

“Parece-me precipitado esta história das terceiras doses [da vacina], quer porque não há tanta abundância de vacinas quanto isso, quer porque os dados científicos obtidos até agora têm sustentado que as duas doses da vacina conferem uma imunidade duradoura”, explica Miguel Castanho ao PÚBLICO. O investigador acrescenta ainda que “a questão da terceira dose só se deveria colocar para garantir a protecção contra as variantes mais recentes do vírus, nomeadamente a Delta ou outras que venham a aparecer e já com uma vacina actualizada”.

Também Miguel Prudêncio acredita que as provas científicas mostram que “as duas doses da vacina conferem uma protecção que é robusta e que é duradoura.” O especialista admite que existem ainda algumas dúvidas quanto a essa duração. Contudo, esse factor é “um bom sinal”. 

“O facto de ainda não sabermos ao certo quanto tempo a imunidade e a protecção duram é um bom sinal. É sinal de que no tempo que já passou essa imunidade ainda não decaiu o suficiente para sabermos que já não está a proteger a população”, reforça. “Não sabemos exactamente quanto tempo é que a protecção que a vacina confere dura pela simples razão de que não passou tempo suficiente desde que as pessoas começaram a ser vacinadas para podermos assistir a um decréscimo da eficácia das vacinas”, defende ainda Miguel Prudêncio. 

Na quarta-feira, a Pfizer disse que uma terceira dose da vacina pode aumentar “fortemente” a protecção contra a variante Delta. As conclusões, citadas pela CNN, apontam que o nível de anticorpos capazes de combater a variante Delta do vírus quintuplica em pessoas entre os 18 e 55 anos após a terceira inoculação com esta vacina. 

O especialista lembra que os estudos científicos feitos até ao momento mostram uma eficácia de 90% quanto à variante Delta do SARS-CoV-2 com a vacina da Pfizer-BioNtech, contra as formas graves da doença, quando administradas as duas doses da vacina. Por isso, tendo em conta essa elevada protecção, administrar uma terceira dose da vacina seria “chover no molhado”. 

O dilema ético: reforçar vacinação quando ainda há países sem vacinas?

Por outro lado, “existem ainda muitas pessoas por vacinar, que não têm sequer uma dose da vacina”. “Estar a falar numa terceira dose antes de termos a população toda vacinada, parece-me precoce, já para não falar noutra questão que é a equidade na distribuição das vacinas pelo globo”, refere Miguel Prudêncio. 

Também Miguel Castanho levanta esse dilema ético: “A situação é auto-explicativa – é estar a garantir uma terceira dose para uma parte do mundo que a consegue pagar e deixar a outra parte desprotegida.” Além disso, prossegue, “é do interesse de todos que haja uma vacinação global”, uma vez que essas zonas mais desprotegidas contra o novo coronavírus se tornam  “incubadoras de novas variantes”. “Não é sensato estar a reforçar a imunidade com uma determinada vacina numa determinada parte do globo, ao mesmo tempo que a outra parte está desprotegida e o vírus pode circular livremente, o que aumenta a probabilidade de aparecer uma nova variante”, remata. 

O regulador nacional do medicamento já afastou a necessidade de reforço da vacinação contra a covid-19 com uma eventual terceira dose, no dia em que Espanha anunciou que vai avançar com a medida. Num esclarecimento sobre a terceira dose e novos contratos de vacinas para a covid-19, o Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde referia que “a informação disponível até à data não permite concluir sobre a necessidade, e momento, de realização de reforço vacinal, prevendo-se, portanto, o esquema vacinal aprovado na autorização de introdução no mercado atribuída pela Agência Europeia de Medicamentos”. 

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