Biden aposta no combate à evasão fiscal que se serve das criptomoedas
Riscos de ocultação de rendimentos preocupam a Casa Branca, perante a mudança das estratégias tradicionais de evasão através dos paraísos fiscais para transacções por meios digitais. Fisco investe para descobrir fluxos ilícitos.
O acordo alcançado pelo Presidente dos Estados Unidos na quarta-feira com o grupo de republicados e democratas do Senado sobre o plano de melhoria das infra-estruturas no país prevê, como contrapartida, um reforço da “cobrança fiscal” associada às criptomoedas como a bitcoin ou o ethereum, para financiar uma parte do pacote de investimentos.
A Casa Branca quer aumentar as obrigações de transparência associadas às transacções feitas através de activos virtuais, obrigando as empresas que aceitem pagamentos em criptomoedas a comunicarem aos serviços da administração tributária – o Internal Revenue Service (IRS) – as transacções acima dos dez mil dólares, à semelhança do que os bancos têm de fazer quando alguém deposita em numerário um valor acima desse tecto.
Washington diz abertamente que os criptoactivos (representações digitais baseadas no sistema blockchain) colocam problemas adicionais de evasão fiscal, de branqueamento de capitais, de financiamento do terrorismo e de proliferação do crime organizado.
Os riscos estão identificados pelos serviços e agências do Tesouro e do Departamento de Segurança Internos ligados quer à prevenção da lavagem de dinheiro através do sistema financeiro (Financial Crimes Enforcement Network, o FinCEN), quer ao combate à evasão (o IRS) e ao cibercrime (como é o caso do Serviço Secreto, o United States Secret Service).
Joe Biden age a pensar na próxima década. Quando em Maio revelou o plano fiscal da nova Administração para os próximos anos, o Departamento do Tesouro assumiu que a actividade das criptomoedas coloca “um problema de detecção significativo, ao facilitar amplamente a actividade ilegal, incluindo a evasão fiscal”, perante a possibilidade de que as tradicionais técnicas de evasão com recurso a contas offshore tituladas em paraísos fiscais estarão a ser substituídas pelo recurso a transacções opacas através de activos virtuais, onde a regulação ainda é menor.
O acordo celebrado entre os democratas e republicados tem implícito que, na frente das criptomoedas, as novas obrigações de comunicação permitirão alcançar uma receita adicional de 28 mil milhões de dólares (cerca de 23,68 mil milhões de euros ao câmbio actual).
Receita ascendente
Embora hoje só representem “uma parte relativamente pequena das receitas das empresas, é provável que as transacções em criptomoedas aumentem de importância na próxima década”, especialmente se as regras de comunicação para as contas financeiras forem alargadas para esse campo, dizia o Departamento do Tesouro no plano de Maio.
O novo regime deverá abranger não apenas os serviços de pagamento que aceitam criptomoedas como também os serviços de troca de criptomoedas e outros activos virtuais (há trocas entre trocas entre activos virtuais, e entre estes e moedas fiduciárias, como o euro ou o dólar).
Mesmo antes de ser alcançado este acordo político em Washington, os serviços da administração tributária norte-americana já tinham lançado ou programado lançar uma série de medidas destinadas a reforçar as obrigações declarativas dos investidores.
O fisco considera determinante a “aplicação da lei” neste sector e, na declaração de rendimentos de 2020 (o formulário 1040), começou a fazer uma pergunta aos contribuintes, para saber, através de uma resposta de “sim” ou “não”, se uma pessoa enviou, trocou ou de alguma forma lidou com moedas virtuais no ano fiscal passado.
O orçamento do fisco norte-americano para o ano fiscal de 2022 prevê a contratação de serviços especializados moedas virtuais e em cibersegurança, a criação de um painel interno de análise e de um mecanismo para identificar casos de incumprimento relacionado com as transacções das criptomoedas e a “identificação de padrões de actividade ilícita”, ou “procurar conhecimentos especializados do sector privado” na análise aplicada, consultoria, cibercrime e análise de dados contabilísticos.
Na Europa, a Comissão Europeia também quer reforçar as regras de transparência associadas aos activos virtuais e apresentou na semana passada uma revisão do regulamento relativo às informações que acompanham as transferências de fundos, porque, até agora, as transferências de activos virtuais estavam “fora do âmbito da legislação” da União Europeia sobre serviços financeiros”. É uma preocupação para a segurança no espaço europeu, diz a Comissão, que lançou as bases para criar uma nova agência descentralizada a partir de 2023, a Autoridade Europeia de Combate ao Branqueamento de Capitais.
“Os fluxos de dinheiro ilícito”, lembrou o executivo comunitário, “podem ser feitos através de transferências de criptoactivos e prejudicam a integridade, a estabilidade e a reputação do sector financeiro, e ameaçam o mercado interno da União, bem como o desenvolvimento internacional das transferências de criptoactivos”.