Picasso regressa ao Museu do Prado, ladeado por El Greco e Velásquez
Busto de mulher, de 1943, está em exposição no museu de Madrid na sequência de um depósito por cinco anos oferecido por uma associação americana.
Não se trata propriamente de uma novidade, mas a notícia que marcou a cena artística madrilena no início desta semana foi o regresso de Pablo Picasso (1881-1973) ao Museu do Prado. Fê-lo através de uma obra de 1943, Busto de mulher, que desde agora e durante os próximos cinco anos está exposta na Sala 9B do edifício Villanueva, cortesia da associação American Friends of the Prado Museum, na sequência de uma doação da família mexicana de coleccionadores Arango Montull.
A cerimónia de apresentação da nova “aquisição” desta obra contou com a presença de Javier Solana, actual presidente da administração do Prado, acompanhado pelo actual director do museu, Miguel Falomir, e Christina Simmons, directora da referida associação.
“Este é um dia muito especial para mim, por várias razões: o Prado e a cultura espanhola estão hoje mais ricos do que há alguns meses”, disse, citado pelo diário ABC, Javier Solana, antigo secretário-geral da NATO e também ex-comissário da União Europeia responsável pela Política Externa.
No comunicado em que regista o momento, o Museu do Prado lembra que este Busto de mulher foi “pintado, com traços muito rápidos e seguros, num só dia” — 7 de Outubro de 1943 —, e denota “a grande qualidade da resposta de Picasso à violência da II Guerra Mundial”, que então estava em curso. “A ressonância dos tons do fundo e a presença retumbante do tipo feminino revelam os ecos do seu gosto pela Espanha e o seu profundo conhecimento da nossa tradição pictórica”, acrescenta o Prado.
No histórico museu de Madrid, esta pintura de Picasso está exposta na sala dedicada a retratos de El Greco (1540/41-1614) e junto a O bobo Calabacillas, de Diego Velázquez (1599-1660). Uma localização que, naturalmente, não foi pensada ao acaso. Os dois mestres clássicos foram influência marcante, e assumida, do pintor nascido em Málaga.
O Museu do Prado lembra, de resto, que Picasso “participou activamente na recuperação do mestre de Creta, que foi visto por artistas de vanguarda como o pai da arte moderna”. E que o próprio artista malaguenho, quando pela primeira vez visitou o Prado, aos 14 anos, copiou a pintura de Velásquez com lápis de grafite no seu caderno pessoal.
No atelier de Guernica
Na notícia que dedica a esta “inauguração”, o ABC começa por recordar que a relação do autor de Guernica (a famosa pintura que realizou em Paris, em 1937, no mesmo atelier da Rue des Grands-Augustins onde, seis anos depois, pintaria este Busto de mulher) com o Prado teve outros episódios. Talvez o menos conhecido seja que Picasso foi nomeado director do Prado, em Setembro de 1936, cargo que não chegaria a desempenhar em consequência da Guerra Civil que nessa data já grassava no país.
Ainda que, por decreto real, a colecção do Museu do Prado esteja delimitada até à data de 1881 (precisamente o ano de nascimento de Pablo Picasso), ficando as décadas a seguir destinadas ao seu (quase) vizinho Rainha Sofia, a obra do mestre do cubismo tem em inúmeras ocasiões sido exibida no primeiro. Aconteceu isso — ainda que sempre em exposições temporárias, lembra o diário espanhol —, em 2006, na mostra Picasso. Tradição e Vanguarda (em parceria com o Rainha Sofia); em 2014, em El Greco e a Pintura Moderna; e, no ano imediatamente a seguir, com uma selecção de Picassos vindos do Kunstmuseum de Basileia, na Suíça.
Ainda que esta “separação das águas” cronológicas entre os dois museus não seja um tema pacífico em Espanha, a apresentação de Rosto de mulher agora no Prado não parece levantar grandes reservas, até porque ela resultou de uma operação que exigiu “inteligência e o máximo cuidado”, como referiu Javier Solana. Além de que Miguel Falomir nota que, numa situação como esta, “a vontade do doador é sagrada”
O ABC avança, contudo, a possibilidade de, passados os cinco anos agora acordados entre as partes, esta pintura de Picasso poder ser mesmo doada ao Museu do Prado, como já aconteceu com Retrato de Felipe III, de Velásquez.