Vieira à defesa no Parlamento: “Não fujo, nem vou delapidar património meu”
O segundo maior devedor do Novo Banco foi a 10 de Maio ao Parlamento explicar à comissão de inquérito como nasceu a dívida de mais de 400 milhões de euros que penaliza as contas do banco.
“Tenho negócios, uma boa reforma, vivo bem”. A frase, que parece um slogan de um empresário de sucesso, foi dita por Luís Filipe Vieira a 10 de Maio na comissão parlamentar de inquérito ao Novo Banco. O presidente da Promovalor e do Benfica foi depor como o segundo maior devedor ao banco que nasceu do fim do BES e que já acumula mais de oito mil milhões de euros em capitais injectados pelo Estado. Aos deputados disse-se “assustado” por ocupar aquela posição na lista dos maiores devedores, garantiu nunca ter tido perdões, nunca ter sido executado e prometeu não fugir nem delapidar património. Esta quarta-feira foi detido numa investigação a financiamentos acima de 100 milhões de euros que podem ter penalizado o Estado. O PÚBLICO juntou os momentos-chave das mais de quatro horas de audição a Vieira.
A dica ao amigo José António
A Imosteps, uma empresa controlada por Vieira, tinha uma dívida de cerca de 50 milhões de euros que ficou com o Novo Banco. Este vendeu-a em 2019 a um fundo americano por cerca de cinco milhões. E o fundo já a vendeu por oito milhões. Quem a comprou foi José António dos Santos, revelou Vieira, lembrando que nos activos da empresa estão terrenos no Rio de Janeiro de 102 mil metros quadrados, ou seja, com um enorme potencial de construção. E contou como tudo aconteceu. Vieira soube que o fundo tinha aquela dívida à venda e falou com o sócio. “Disse ao Zé que estava ali um bom negócio.” O Zé a que se referiu é José António Santos - conhecido como Rei dos Frangos - e que também foi detido no âmbito das mesmas investigações.
O bom comportamento
Ao longo da audição, Luís Filipe Vieira quis por várias vezes dar nota de um comportamento exemplar na sua relação com o banco e, em geral, nos negócios. Começou por se apresentar como alguém que construiu o que tem do nada, lembrando que antes de ser presidente do Benfica já era um empresário com nome. “Não houve nenhum perdão, não houve nenhum facilitismo para com o grupo Promovalor”, disse na intervenção inicial. “Não pedi perdões de dívida, nem perdão de juros, nem eles me foram dados”, acrescentou. “Nunca fui executado, com base neste incumprimento, nem noutros”, insistiu. Mas Vieira quis ir mais longe nas garantias transmitidas aos deputados: “Não fujo, nem vou delapidar património meu”.
A boa reforma
As garantias foram várias, mas dados concretos eram poucos. Uma das perguntas que os deputados mais fazem aos grandes devedores prende-se com a forma como se sustentam na actualidade. O objectivo é claro: perceber se existe património que possa servir para pagar a dívida ao banco. A resistência de alguns devedores é grande e, por isso, na audição foi citada uma acta do conselho de administração do Novo Banco que indicava que o único bem na posse do presidente da Promovalor era uma “casa palheiro”. Vieira disse nem saber que casa era aquela, mas não deu detalhes sobre quanto e o que tem. No entanto, deixou uma frase para resumir a sua situação patrimonial: “Tenho negócios, uma boa reforma, vivo bem”.
A reestruturação da dívida
Vieira esteve na comissão de inquérito por ter deixado uma dívida por pagar, de 440 milhões de euros, ao Novo Banco. O valor foi confirmado pelo próprio e reporta a 2017, ano em que o fundo gerido por Nuno Gaioso Ribeiro, seu amigo e antigo vice-presidente do Benfica. Gaioso, que também foi chamado a depor, disse não saber se as dívidas da Promovalor fazem parte dos activos cobertos pelo Acordo de Capitalização Contingente - ao abrigo do qual o Fundo de Resolução tem colocado capital no Novo Banco -, mas assegurou que a reestruturação da dívida tinha sido uma solução “adequada” para o Fundo de Resolução. “A criação deste fundo foi adequada para maximizar a recuperação deste crédito ou, se preferirem, para minimizar as perdas registadas pelo Novo Banco, independente de terem sido imputadas ao Fundo de Resolução”, afirmou o gestor.
A ajuda do banco
Se por um lado, Vieira se apresentou como um cliente que sempre cumpriu os seus compromissos, apesar da dívida deixada, por outro, o presidente da Promovalor também imputou responsabilidades ao banco. O presidente, que se indignou com a classificação de segundo maior devedor, contou que quando recebia cartas do banco sobre os incumprimentos, lhe explicavam que eram cartas automáticas e que a questão se resolveria mais à frente.