Robin Gosens, o esquerdino versátil que nunca jogou na Bundesliga

Mudou-se para a Atalanta, em 2017, a troco de um milhão de euros. Hoje, este lateral/ala com dupla nacionalidade é dos jogadores mais cobiçados na Europa para ocupar o corredor esquerdo.

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LUSA/Matthias Hangst / POOL

O apelido não é tipicamente alemão, Gosens. E percebe-se porquê: Robin nasceu e cresceu em Emmerich am Rhein, na Renânia do Norte-Vestfália, a poucos quilómetros da fronteira com os Países Baixos. Filho de pai holandês e mãe alemã, o esquerdino poderia estar agora, no Euro 2020, a vestir uma camisola cor-de-laranja, mas o caminho que seguiu foi outro e o primeiro seleccionador a agarrá-lo foi Joachim Löw. Hoje (17h), deverá ser mais um dos muitos obstáculos de respeito no caminho de Portugal.

Robin Gosens é um cliente recente da selecção da Alemanha. Estreou-se pela “Mannschaft” a 3 de Setembro do ano passado, num jogo da Liga das Nações diante da Espanha, e desde então somou mais sete internacionalizações, a última das quais frente à França, há dias. É uma prova mais do que evidente de que a mensagem de texto que recebeu há meses, com a assinatura do seleccionador, era real, embora não tivesse acreditado de imediato. “Olá, Robin. Sou o Joachim Löw. Consegui o teu número através do teu agente. Gostava de falar contigo nos próximos dias. Quando será a melhor altura?”.

Os momentos que se seguiram, descreve o jornal Bild, foram de incredulidade, alegria e lágrimas repartidas pela família. Ele, que em 2018, numa entrevista, chegara a admitir a possibilidade de representar os Países Baixos (tem dupla nacionalidade), nem sequer se tinha apercebido de que já tinha sido observado pelo técnico alemão durante a sua fase ascendente na Atalanta. E que só a pandemia de covid-19, que varreu o planeta, impediu que tivesse sido convocado mais cedo.

Mas o que tem Robin Gosens de especial? E por que razão encaixa tão bem na Alemanha actual? Löw já  sublinhou a versatilidade e a determinação do lateral, mas esse é um retrato curto. Em bom rigor, tem características que se adaptam como uma luva ao sistema e ao modelo de jogo do actual seleccionador. No 3x4x3 mais correntemente utilizado pela Alemanha, Gosens é um ala esquerdo com capacidade para fazer todo o corredor, uma intensidade fora do comum, uma apetência notável para decidir no último terço e um sentido posicional apurado.

Não menos relevante é o facto de apresentar já sólidas rotinas neste sistema, fruto do 3x4x1x2 que Gian Piero Gasperini preconiza na Atalanta. Os números são esclarecedores acerca da sua propensão ofensiva: só nesta temporada, em 30 jogos na Série A, marcou 11 golos e fez seis assistências. Se juntarmos a este pecúlio competências no jogo aéreo e a facilidade com que desempenha também funções no corredor central, como médio mais defensivo, percebemos que é um jogador com valências invulgares.

Mudança demasiado repentina

A mudança para Itália aconteceu em 2017, de uma forma mais brusca do que esperaria. Mandatado para sondar o interesse da Atalanta, o agente de Gosens deslocou-se a Bérgamo numa altura em que o lateral estava em estágio para um jogo no Heracles Almelo, o terceiro clube holandês que representou (antes jogara no Vitesse e no Dordrecht). Quando o empresário lhe ligou a dar conta do balanço da viagem, o negócio estava feito: “Já tratei de tudo, a transferência vai ser paga. Podes mudar-te para a Atalanta”.

Gosens ficou em choque, resistiu inicialmente à ideia, mas acabou por se deixar convencer depois de uma manobra de charme do presidente da Atalanta, que o convidou para passar um fim-de-semana na cidade. De repente, e mesmo sem ter conseguido impor-se na Bundesliga (chegou a contar que falhou redondamente num treino à experiência que fez no Borussia Dortmund), via-se na iminência de chegar a uma das principais Ligas do mundo.

Aos 22 anos, o jovem futebolista que em criança sonhara ser agente da polícia preparava-se para um novo capítulo. E se tinha as armas adequadas para travar este novo combate, também o devia a Peter Bosz, técnico da equipa principal do Vitesse (mais tarde orientaria o Ajax, o Borussia Dortmund e o Bayer Leverkusen) que o foi buscar aos sub19 para um estágio em Abu Dhabi. Mais do que isso, iniciou a conversão de Robin Gosens de um médio num lateral de mão-cheia. 

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Com os recursos necessários para triunfar nos relvados, faltavam-lhe apenas ferramentas culturais. O idioma começou por ser um problema em Itália, a forma de estar mais descontraída também lhe provocou estranheza, nos primeiros tempos. Mas o cenário foi mudando, à medida que a sua afirmação futebolística se tornava mais evidente. E quando soube do interesse do Schalke 04, no Verão de 2019 — uma eventual mudança que chegou a admitir que faria sentido —, acabou por valorizar o que já tinha alcançado em Bérgamo e o reconhecimento que vinha com uma proposta de melhoria de contrato.

Afinal de contas, a Atalanta tinha acreditado nele quando não passava de uma promessa e o seu valor de mercado era uma verdadeira pechincha — a transferência para Itália terá ficado fechada por cerca de um milhão de euros. Hoje, poderá muito bem ser o próximo grande negócio de um clube que tem como filosofia formar (ou exponenciar talento) para vender. E não será precipitado prever que a margem de lucro vai ser gigantesca.

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