Alemanha compra dados de “milhões de contribuintes” com activos no Dubai

Governo alemão deu ordem à autoridade tributária federal para negociar com uma fonte anónima e obteve informações no início de 2021. Pacote inclui dados de “milhões de contribuintes em todo o mundo”.

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Governo de Merkel diz que o combate a crimes fiscais internacionais é “uma prioridade” POOL

O Governo alemão anunciou nesta quarta-feira ter comprado dados de milhões de contribuintes de todo o mundo que detêm activos no paraíso fiscal do Dubai (Emirados Árabes Unidos), para que as autoridades tributárias investiguem crimes fiscais. O pacote de informações não inclui apenas contribuintes alemães – inclui também dados de contribuintes de muitos outros países.

Ainda não se sabe qual é a quantidade exacta de ficheiros comprada, apenas que na documentação estão “informações detalhadas sobre milhões de contribuintes em todo o mundo que detêm activos no Dubai, incluindo muitos milhares de contribuintes alemães”.

Num comunicado emitido pelo Ministério das Finanças alemão, o Governo faz saber que, para obter esse manancial de dados, mandatou a autoridade tributária federal para negociar com uma fonte anónima. Formalizou essa instrução a 14 de Janeiro deste ano e, em menos de um mês, o fisco tinha concluído as negociações com esse “informador anónimo”, tendo adquirido as informações a 10 de Fevereiro.

Entretanto, a administração central começou a editar os dados para que pudessem ser enviados para as autoridades tributárias dos estados alemães e concluiu essa primeira fase de separação dos dados em quatro meses, tendo nesta quarta-feira distribuído a documentação para as principais autoridades regionais.

Agora, diz o ministério liderado por Olaf Scholz (ministro do SPD no Governo de coligação de Angela Merkel), cabe a cada autoridade analisar “se a lei tributária foi violada” e decidir se deve “iniciar investigações de crimes fiscais”.

Embora Berlim não tenha confirmado quanto é que o fisco pagou para obter a documentação, de acordo com a Reuters, que cita uma informação da revista Der Spiegel, terá sido decidida uma quantia de dois milhões de euros.

O passo que o Governo alemão decidiu dar não tem apenas uma dimensão nacional, mas internacional. E é tanto mais significativo tendo em conta que, actualmente, as autoridades tributárias de muitos países já trocam um conjunto de informações financeiras para fins fiscais, de acordo com regras ancoradas em acordos bilaterais e nas regras internacionais balizadas pela OCDE — em regra são usuais três formas de cooperação, a troca automática (sobre dados financeiros predefinidos, como a existência de contas bancárias), a troca espontânea (quando um país envia dados para outro por sua iniciativa) e a troca a pedido (quando um país responde a uma solicitação de outro).

Sinal de que o gesto da Alemanha não tem apenas o intuito de investigar contribuintes nacionais está no facto de o comunicado do Ministério das Finanças fazer uma referência explícita à cooperação internacional na área fiscal, quando o Governo afirma: “Os dados adquiridos serão utilizados para efeitos de detecção de crimes fiscais de âmbito nacional, internacional e/ou de grande importância. Os dados podem ajudar a lançar luz sobre bens desconhecidos e rendimentos não declarados.”

Neste primeiro anúncio, Berlim não diz, porém, de forma explícita, se vai tomar a iniciativa de partilhar os dados com outros parceiros europeus ou mesmo países exteriores à União Europeia.

O ministério sublinha, no entanto, que o combate a casos de dimensão internacional — que representam perdas de receita para os Estados — é “uma prioridade” do Ministério das Finanças e da própria autoridade tributária federal. E essa foi uma regra que se intensificou a partir das revelações dos Panama Papers.

No puzzle que tem vindo a completar para combater os paraísos fiscais, a fraude e a evasão fiscais, a Comissão Europeia prepara-se para apresentar este ano uma proposta legislativa que pretende combater o uso de empresas de fachada, seja ou não em paraísos fiscais. O objectivo é pressionar os contribuintes europeus — empresas ou singulares — que recorrem a entidades fictícias com o objectivo principal de “reduzir a responsabilidade fiscal ou dissimular a conduta imprópria de um grupo ou das suas operações sem substância e actividades económicas reais” no local onde essas entidades são criadas.

Neste caso, a iniciativa terá impacto directo no espaço europeu, mas está a ser pensada ao lado de uma série de medidas de transparência fiscal que também pressionam jurisdições terceiras a alterar comportamentos e a cooperar com a União Europeia na área fiscal.

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