Quantos dados de manifestantes foram dados a embaixadas? Auditoria “vai começar agora”
Câmara de Lisboa vai alterar um procedimento que tem pelo menos dez anos. Durante esse período, muitas foram as manifestações à porta de embaixadas, mas a autarquia ainda não sabe quantas vezes os dados pessoais dos manifestantes foram partilhados.
Uma prática corrente que se tornou um erro burocrático. É desta forma que a Câmara de Lisboa justifica o envio de dados pessoais de activistas russos para a embaixada da Rússia antes de uma manifestação contra Vladimir Putin que decorreu em Janeiro. Seguindo uma regra que não está escrita na lei, mas que é adoptada em Lisboa pelo menos desde 2011, a autarquia informou a embaixada porque era à porta da embaixada que o protesto se iria realizar.
Os nomes, as moradas, a profissão e outros dados pessoais de três pessoas seguiram por e-mail da câmara para a PSP, para o Ministério da Administração Interna (MAI), para vários serviços internos e para duas caixas de correio dos serviços consulares russos em Lisboa.
De acordo com a lei que “garante e regulamenta o direito de reunião”, publicada em Agosto de 1974 e até hoje alterada apenas porque entretanto os governos civis foram extintos, quem quiser manifestar-se tem de informar a câmara por escrito com uma antecedência mínima de dois dias, indicando local, hora e motivo da concentração. As manifestações não carecem de autorização, apenas desta informação prévia.
Primeiro em comunicado, depois ao vivo, Fernando Medina explicou esta quinta-feira que a autarquia envia essa informação à polícia e ao Governo, mas que também há o hábito de dar conhecimento às entidades em cuja porta o protesto vai decorrer. “Este procedimento é adequado ao nosso quadro de manifestações num um país democrático frente a instituições democráticas, mas não é adequado quando há manifestações em que pode ser identificado risco para os participantes”, admitiu. Foi assim, explicou, que a embaixada russa obteve os dados pessoais dos manifestantes.
Perante a polémica, que inclusivamente levou Carlos Moedas a pedir a sua cabeça, Medina ordenou a realização de uma auditoria interna para apurar quantas vezes é que dados pessoais de manifestantes foram transmitidos a embaixadas de países estrangeiros. Essa auditoria “vai começar agora”, disse o autarca ao PÚBLICO.
Desde 2011, quando foram extintos os governos civis e a competência de gerir as manifestações transitou para as câmaras, realizaram-se muitos protestos à porta de embaixadas, geralmente contra o poder instituído em determinado país, o que levanta receios de segurança para os envolvidos. Ksenia Ashrafullina, co-organizadora da manifestação de Janeiro, diz ter “medo” de regressar à Rússia e anunciou uma queixa contra a câmara.
Depois de ter sido alertada por Ksenia, em Abril, a câmara decidiu deixar de dar essas informações directamente às embaixadas, informando-as meramente de que se esperava uma manifestação à sua porta. Aconteceu isso, garante a autarquia, com protestos realizados junto às embaixadas de Israel, Angola e Cuba.
A partir de agora, assegurou Medina, apenas PSP e MAI serão avisados.
Entretanto, a embaixada russa em Lisboa afirmou, em comunicado, que “a excitação em causa” se deve ao “desejo dos tais activistas de atrair atenção mediática a si próprios através da politização generalizada e provocações deploráveis”. “Não interessam nem à embaixada em Lisboa, nem a Moscovo, os tais indivíduos com imaginação malsã”, diz a nota de imprensa.